A diretora de uma creche de Gaia foi acusada pelo Ministério Público (MP) de quatro crimes de maus-tratos alegadamente perpetrados contra quatro crianças com cerca de três anos. A educadora de infância, de 55 anos, é acusada de dar palmadas e empurrões, recusar medicação e até de ter discriminado um bebé de dois anos por ser de origem africana. A mulher continua a trabalhar no lar.
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De acordo com a acusação do MP de Gaia, tudo terá acontecido entre junho de 2017 e janeiro de 2018, quando a arguida, Olívia C., acumulava as funções de educadora de infância com as de diretora técnica da creche do Lar Santa Isabel, em Gaia. A mulher era responsável pelo acompanhamento de um grupo específico de crianças com idades entre os 24 e os 36 meses.
A acusação garante que a educadora tratou de forma discriminatória uma criança de dois anos por ela ser de origem africana. Em frente dos colegas de turma, ter-se-á referido ao bebé pelo nome de "preto", em expressões como "ó preto para quieto". Também terá negado ao bebé a entrega de guloseimas (chupa-chupas) usando a expressão "para ti não há, preto".
É igualmente suspeita de ter aplicado uma palmada na parte de trás do pescoço da criança, que acabou por cair.
A três outras crianças, por se recusarem a comer, a mulher terá introduzido à força pedaços de comida na sua boca, ao ponto de uma ter vomitado por não conseguir mastigar. O MP considera ainda ter ficado provado no inquérito que todos ficaram em pânico.
A funcionária também é acusada de ter obrigado as quatro crianças a dormir a sesta vestidas e calçadas, com a justificação de que assim já estavam prontas e não iriam dar trabalho quando acordassem. O procedimento terá causado desconforto aos menores e era contrário às regras de higiene estabelecidas na instituição.
Sem medicação
Numa outra ocasião, a diretora técnica terá recusado dar a medicação adequada a uma das vítimas, apesar desta se apresentar febril. Também não telefonou aos pais, obrigando o menor a ficar nas instalações da creche até ao fim do dia.
O MP acusa-a igualmente de ter forçado uma criança a dormir a sesta sem manta ou cobertor, apesar de saber que ela iria sentir frio. Há ainda relatos de palmadas no pescoço dos menores.
Para o MP, "a arguida sabia que estava a lidar com crianças com menos de três anos de idade, completamente vulneráveis e incapazes de se defender e se queixar e que a sua atuação lhes causaria, como causou, perturbações que se traduziram em alterações comportamentais graves, capazes de pôr em causa o seu harmonioso desenvolvimento". O JN contactou a arguida, mas a educadora não se mostrou disponível para falar.
Julgamento singular criticado
Miguel Teixeira, advogado de duas vítimas, discorda do julgamento da arguida por tribunal singular. "Apesar de a moldura penal para este tipo de crimes ser de cinco anos e por isso sujeito a julgamento coletivo, o Ministério Público pode sujeitar a arguida a julgamento singular e, por isso, com diminuição da pena, o que promoveu", adianta o advogado. "Estamos perante factos gravíssimos", afirma.
Pais desconfiaram
Os pais das crianças começaram a desconfiar de maus-tratos depois de darem conta de hematomas no corpo dos filhos.
Exames periciais
As quatro crianças foram sujeitas a exames periciais de psicologia elaborados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.
Medidas de coação
A educadora de infância foi constituída arguida e ficou com a medida de coação mais branda, o termo de identidade e residência.