
Fernando Marques Jorge, médico e atual autarca de Oleiros, está acusado de enganar o Fisco
Filipe Amorim/Global Imagens
Ministério Público acusa também dois farmacêuticos por esconderem do Fisco quase 7 milhões de euros na venda de laboratórios e clínicas a grupo holandês.
O atual presidente da Câmara de Oleiros, Fernando Marques Jorge, é apontado como cabecilha de um grupo de seis médicos e dois farmacêuticos que acabam de ser acusados de fraude fiscal qualificada, cometida na venda de dezenas de laboratórios e clínicas, da Zona Centro Interior e de Lisboa e Vale do Tejo, a um grupo empresarial holandês. Segundo o Ministério Público (MP), o negócio rendeu aos arguidos cerca de 36 milhões de euros e lesou o Estado em 2,8 milhões, pela omissão de pagamento de IRS sobre uma parcela de 6,7 milhões, nos anos 2008, 2009 e 2010.
O MP do Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra, que investigou a fraude através da Diretoria do Centro da Polícia Judiciária e da Direção de Finanças de Castelo Branco, requer que os arguidos sejam condenados pelos crimes, puníveis com prisão de dois a oito anos, e ainda ao "perdimento a favor do Estado das vantagens recebidas através dos crimes".
Assim, nesta parte, pede ao tribunal de julgamento que obrigue os médicos e farmacêuticos a pagar ao Estado um total de 2,8 milhões de euros.
Segundo a acusação, o médico e atual autarca Fernando Marques Jorge é o arguido que deve pagar mais (696 691,80 euros), por ter sido ele quem recebeu a maior fatia do montante (de 6 706 612,68 euros) ocultado às Finanças em sede de IRS.
De resto, o político do PSD surge na acusação como tendo sido ele a montar o negócio da venda dos laboratórios e clínicas ao grupo holandês Affidea. Pela sua liderança, recebeu mesmo dos restantes acionistas uma comissão de 5% da primeira prestação paga a todos eles pelo grupo holandês, o que lhe valeu 226 mil euros, em 2008, aponta o MP.
Ações ocultaram "salários"
Ao longo das suas carreiras, Fernando Marques Jorge e os outros arguidos foram estabelecendo parcerias entre si e constituindo diferentes sociedades de prestação de serviços médicos, em especial laboratórios de análises.
A acusação do MP destaca participações em quatro empresas, que, por sua vez, eram titulares de outras 21. Além disso, Fernando Marques Jorge tinha ainda interesse, por intermédio de uma filha, no Centro Médico Lusitano SGPS, titular de mais seis empresas de laboratórios.
Em 2007, numa lógica de otimização de lucros, os arguidos criaram o grupo Cientia SGPS, SA, com sede em Lisboa e presidido por Fernando Jorge, onde reuniram os seus laboratórios da Zona Centro Interior e de Lisboa e Vale do Tejo. A Cientia SGPS - lê-se no currículo do autarca de Oleiros - tornou-se "uma das cinco maiores empresas do setor da saúde em Portugal". E despertou o interesse da sociedade Euromedic, do grupo holandês Affidea, que queria alargar a atividade em Portugal.
2,8 milhões de euros é, segundo o Ministério Público, o montante do prejuízo para o Estado causado pela atuação dos arguidos, médicos e farmacêuticos
A venda concretizou-se em 2008. Mas, antes, o grupo holandês impôs duas condições, que estão na origem do processo-crime: os vendedores continuariam a colaborar com os laboratórios e clínicas, enquanto médicos e farmacêuticos e como gestores, de forma remunerada; além disso, não trabalhariam para a concorrência.
Os arguidos aceitaram. E como a legislação então em vigor isentava de tributação as mais-valias resultantes da venda de ações detidas há mais de 12 meses, decidiram incluir no preço global das suas ações, "de forma fictícia e encapotada", os valores que viriam a receber, entre 2008 e 2010, a título dos tais serviços médicos e de consultadoria que continuariam a prestar e, ainda, por conta das restrições de não concorrência assumidas. Assim, em março de 2008, celebraram com os holandeses 39 contratos de venda de ações cujos valores foram inflacionados pela inclusão de receitas pelas quais deveriam pagar IRS, a título de rendimentos do trabalho.
Autarca indisponível para comentar
O JN contactou, na sexta-feira, a Câmara de Oleiros, para registar a versão do seu presidente, Fernando Marques Jorge, de 54 anos, sobre os factos da acusação pública deduzida em novembro e até agora mantida em segredo, mas o mesmo estaria num evento com o secretário de Estado das Florestas e não se mostrou disponível no resto da tarde. Também não foi possível obter resposta dos farmacêuticos José Luís Brito da Rocha (residente na Covilhã) e Naffeza Amnin Vali Juma (Lisboa) e dos médicos Carlos José Clara dos Santos (Moita), Ernesto Fernandes Rocha (Castelo Branco), José António Carvalho Rodrigues (Parede), Mário Vieira Pragosa (Oeiras) e Samuel Luís Cabral Porto Llobet (Parede).
