
Alexandre Gaudêncio, presidente da Câmara da Ribeira Brava
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Alexandre Gaudêncio é suspeito, enquanto presidente da Câmara da Ribeira Grande, de favorecer amigos com contratos públicos.
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A Polícia Judiciária de Ponta Delgada quis deter o presidente da Câmara da Ribeira Grande e do PSD dos Açores, Alexandre Gaudêncio, mas o Ministério Público (MP) não permitiu. A divergência deu-se num processo à ordem do qual Alexandre Gaudêncio veio a ser interrogado, esta quarta-feira, por suspeitas da prática, enquanto autarca, de crimes de peculato, prevaricação, abuso de poder e falsificação de documentos.
Antes de avançar com as buscas e a constituição de seis arguidos na "Operação Nortada", no dia 2 deste mês, a Polícia Judiciária de Ponta Delgada apresentou à procuradora titular do inquérito uma proposta escrita com vista à detenção de Alexandre Gaudêncio. Para isso, apurou o JN, a Judiciária invocou a força de provas obtidas em vários meses de escutas telefónicas e a necessidade de acautelar riscos inerentes ao facto de o autarca ter um grande domínio sobre toda a estrutura camarária e de ser amigo de quatro arguidos.
O MP discordou daquela proposta e permitiu que o presidente do Município da Ribeira Grande fosse constituído arguido e se mantivesse em liberdade com a mais leve das medidas de coação, termo de identidade e residência.
Mas, na quarta-feira, Alexandre Gaudêncio compareceu na PJ de Ponta Delgada para ser interrogado, por inspetores da judiciária e pela procuradora titular do inquérito-crime, Sílvia Couto. E esta, segundo as informações recolhidas pelo JN, permitiu que o arguido saísse das instalações da PJ em liberdade e com o mesmo estatuto coativo com que entrara, mas deu indicação de que poderia promover novas medidas de coação. Se o fizer, a decisão final caberá a um juiz de instrução criminal.
Álvaro Amaro teve a mesma sorte
Uma divergência semelhante, entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público, aconteceu no mês passado, a respeito de outra figura do PSD, envolvida num processo onde são investigados crimes de corrupção, entre outros, em negócios efetuados entre várias autarquias e a transportadora Transdev. Neste caso do processo "Rota Final", era a Diretoria do Norte da PJ que pretendia deter o ex-presidente da Câmara da Guarda Álvaro Amaro, tendo a intenção sido travada pelo Ministério Público do Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra.
Mas, já no dia 1 deste mês, véspera de tomar posse como deputado ao Parlamento Europeu (era o número dois da lista de candidatos do PSD de Rui Rio), Álvaro Amaro foi presente a um juiz de instrução de Viseu e deixou de estar sujeito apenas ao termo de identidade e residência. Sob promoção do Ministério Público, o juiz obrigou-o a prestar uma caução de 40 mil euros e proibiu-o de contactar com os outros quatro arguidos do processo.
Concerto custou 123 mil mais bilheteira
Na "Operação Nortada", o presidente do Município da Ribeira Grande, que também preside ao PSD do arquipélago dos Açores e é ainda membro do Conselho Nacional do PSD, é suspeito de favorecer, com vários contratos públicos, empresários com quem tinha afinidades pessoais e partidárias. Quando, no dia 2, fez buscas e constituiu como arguidos Alexandre Gaudêncio, quatro responsáveis de uma empresa e um representante de uma cooperativa de ensino e formação profissional, a PJ informou que estava "sobretudo em causa a suspeita de reiterada violação de regras de contratação pública, de urbanismo e ordenamento do território, com presumíveis favorecimentos de empresários e entidades de direito privado, com prejuízos para o erário público".
A contratação, em abril deste ano, de um concerto do músico brasileiro MC Kevinho é um dos casos sob investigação, por ter custado à Câmara da Ribeira Grande 123 mil euros, mais a receita de bilheteira. A PJ de Ponta Delgada, que é dirigida pelo coordenador de investigação criminal João Oliveira, suspeita que os valores daquele e de outros contratos foram inflacionados, para beneficiar empresários próximos de Alexandre Gaudêncio que operam na organização de espetáculos ou em atividades turísticas. Outra das entidades presumivelmente favorecidas com contratos suspeitos é a referida cooperativa.
Partido em ebulição
Desde a semana passada que Alexandre Gaudêncio estava notificado para comparecer na PJ de Ponta Delgada, a fim de ser interrogado. E, na véspera deste interrogatório, a Comissão Política Regional do PSD/Açores informou que decidira, por maioria, que Alexandre Gaudêncio, apesar de arguido, mantém condições para continuar à frente do partido no arquipélago.
Mas, já esta quarta-feira à tarde, o vice-presidente do PSD/Açores Cláudio Almeida renunciou ao cargo, por considerar que a Comissão Política Regional "não reúne condições políticas" para preparar a disputa das eleições regionais de 2020. Em declarações à agência Lusa, Cláudio Almeida ressalvou, contudo, que "não estão em causa as qualidades pessoais e humanas" do atual líder.
Ao contrário do que fez no caso de Álvaro Amaro, em que manifestou apoio a este e defendeu que o estatuto de arguido não era incompatível com o de eurodeputado, o presidente do PSD, Rui Rio, ainda não se pronunciou publicamente sobre Alexandre Gaudêncio.
É sabido que Rui Rio e Alexandre Gaudêncio tiveram divergências na constituição da lista de candidatos do PSD ao Parlamento Europeu. Gaudêncio queria que o social-democrata João Bosco Mota Amaral surgisse em segundo lugar da lista, mas Rui Rio apontou-lhe apenas o oitavo lugar. Insatisfeito, também, com a proposta do líder, o próprio Mota Amaral se terá autoexcluído da lista.
De resto, depois de, no último domingo, Manuel Castro Almeida ter feito saber que se demitira do cargo de vice-presidente da Comissão Política Nacional do PSD, a direção de Rui Rio informou que aquele seria substituído por José Manuel Bolieiro, presidente da Câmara de Ponta Delgada, que é identificado com uma fação do PSD/Açores que não está com a liderança de Alexandre Gaudêncio.
