
Armas de Tancos desapareceram e foram recuperadas mediante uma encenação de descoberta por parte da Polícia Judiciária Militar
Henriques da Cunha/Global Imagens
Enredo da falsa descoberta pela Judiciária Militar do arsenal de Tancos foi descrito ao detalhe, incluindo estratagema para livrar autores do furto.
Foi uma carta anónima, denunciando o esquema de encenação da recuperação das armas furtadas em Tancos, que ofereceu precisas indicações à PJ civil sobre o plano das chefias da Polícia Judiciária Militar (PJM) para encobrir o pacto entre os supostos autores do furto e esta polícia. Os pormenores descritos no documento levaram a PJ a acreditar na denúncia, que, pelos detalhes nela contidos, só podia partir de uma toupeira na própria PJM.
Pouco depois de o armamento ter sido recuperado, na madrugada de 18 de outubro do ano passado, um documento não assinado deu entrada no Ministério Público de Lisboa. Nele era revelado que a recuperação das armas não passava de uma encenação montada pelas chefias da PJM. A carta indicava nomes, locais e elementos que a PJ confirmou ao longo da investigação que viria a conduzir à detenção do coronel Luís Vieira, ex-diretor da PJM, de dois majores e dois sargentos desta polícia, além de três elementos do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé e um ex-paraquedista, suspeito de ter participado no furto do arsenal. Os pormenores só podiam ser conhecidos por alguém "da casa".
A todo o custo
De acordo com informações recolhidas pelo JN, o documento descrevia pormenorizadamente o papel de cada um dos indivíduos e o objetivo da encenação. A PJM aceitava encobrir os supostos autores do furto, por pretender, "a todo o custo", recuperar o material - mas fê-lo totalmente à margem do Ministério Público e do juiz de instrução criminal. Os militares entendiam, desde o desaparecimento do armamento, que a polícia civil não deveria ser chamada a investigar o crime, perpetrado em instalações do Exército.
Se tudo corresse bem, o arsenal regressava a Tancos, embora faltassem umas quantas munições de 9 milímetros. E a PJM ficaria com os créditos, afastando a PJ civil da investigação.
Mas na madrugada de "trovoada" em que a PJM teria supostamente recebido uma chamada anónima a indicar o local onde estavam as armas, a PJ começou a desconfiar do cenário. Adensaram-se as suspeitas depois de a Unidade Nacional de Contra Terrorismo, então liderada por Luís Neves (atual diretor nacional da PJ) saber que a PJM tinha recolhido as caixas de armamento da Chamusca, antes de informar a PJ, a cargo da investigação. A informação contida na carta anónima veio dar os pormenores que faltavam para que fosse aberta uma nova investigação sobre a encenação.
No passado dia 25, a PJ lançou a operação Húbris, que atirou a PJM para um escândalo nacional sem precedentes e que poderá ter implicações políticas para o ministro da Defesa, Azeredo Lopes.
Major diz ter informado Azeredo Lopes
O major Vasco Brazão, atualmente em prisão domiciliária, que terá confessado o plano de encenação da descoberta das armas, garantiu à justiça que o Ministério da Defesa foi informado da operação em novembro do ano passado. Alegou ter entregado ao chefe de gabinete do ministro um documento com os detalhes da operação. Tanto o ministro Azeredo Lopes, como o general Martins Pereira (saiu em janeiro do gabinete) vieram negar tais afirmações. "Queria dizer categoricamente que é totalmente falso que eu tenha tido conhecimento de qualquer encobrimento neste processo", disse Azeredo Lopes.
Pormenores
Diretor preso
Dos nove arguidos da operação Húbris, dois estão em prisão preventiva (ex-diretor da PJM e um civil suposto autor do furto), um em domiciliária (Vasco Brazão) e os restantes seis em liberdade.
Crimes indiciados
Estão indiciados por crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação, tráfico de influência, favorecimento pessoal, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas.
Nome da operação
Húbris significa "conduta desmedida, considerada um desafio aos deuses e que acarreta a ruína de quem assim age".
