
Número de pedófilos registados é apenas "a ponta do icebergue", segundo Dulce Rocha
Gerardo Santos / Global Imagens
No ano passado, registo aumentou a cada dois dias. Seis anos após a sua criação, medida continua a dividir especialistas.
O Registo de Condenados por Crimes Sexuais contra Crianças contava, em março deste ano, com 5920 nomes. Só em 2020, foram acrescentados 203 - mais do que um a cada dois dias - a um documento conhecido como "lista de pedófilos". Seis anos após a criação da lista, o presidente da Associação para a Intervenção Juspsicológica, Carlos Poiares, mantém a dúvida sobre a eficácia da medida, mas a líder do Instituto de Apoio à Criança (IAC), Dulce Rocha, continua a defender que esta pode ter um efeito dissuasor e pede, inclusivamente, uma fiscalização mais rigorosa sobre os abusadores de menores. Ambos concordam, porém, que, por si só, uma lista não resolve o problema.
Os dados fornecidos ao JN pelo Ministério da Justiça mostram que a "lista de pedófilos" era, no final do primeiro trimestre deste ano, a mais extensa de sempre. Um dado previsível, tendo em conta que só desde o ano passado é que alguns nomes começaram a ser apagados de um documento que sofre alterações regulares (ver perguntas e respostas).
Mas mesmo que alguém tenha visto o seu nome retirado do Registo de Condenados por Crimes Sexuais contra Crianças no ano passado, o certo é que outros 203 foram acrescentados no mesmo período. Um número que, para a presidente do IAC, "está muito longe da realidade". "É apenas a ponta do icebergue", assume. Dulce Rocha é hoje, tal como era há seis anos, uma defensora da "lista de pedófilos", porque ela contribui, desde logo, "para uma maior prevenção". "Os abusadores sabem que estão vigiados e, em certa medida, evitam reincidir. Por outro lado, quanto mais informação houver sobre o fenómeno melhor", justifica.
Abusadores vigiados
A procuradora jubilada admite, no entanto, que um simples registo de agressores não basta para combater o flagelo dos abusos sexuais de menores. Pede, por isso, que Portugal cumpra de vez as convenções internacionais que assinou. "As medidas têm de ser conjugadas para que haja um efeito dissuasor. Além do registo, os abusadores têm de ser alvo de uma avaliação de risco e teria de se saber qual o seu paradeiro e qual a sua atividade, pois há sempre o risco de voltarem a molestar crianças. Mas não acho que haja vontade política para isso", acrescenta.
Mais do que a repressão, Carlos Poiares é apologista de "um trabalho terapêutico acentuado" junto do abusador e da realização de ações de prevenção de crimes sexuais junto de potenciais vítimas e famílias. "Continuo a ter algumas dúvidas sobre a eficácia de uma lista", refere aquele que foi um opositor desde a primeira hora do Registo de Condenados por Crimes Sexuais contra Crianças. Embora admita "algumas vantagens, o psicólogo e professor universitário considera que uma "lista de pedófilos" "não basta" e apresenta lacunas em "várias áreas". "Fica muita coisa que é importante fora de uma mera lista", critica.
Pormenores
Mais de 1500 vítimas
Entre 2016 e 2020, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) ajudou 1599 crianças e jovens que foram vítimas de abusos sexuais. Mais de 260 vítimas tinham até sete anos.
Família agride
Segundo a APAV, 51% dos agressores eram familiares das crianças vítimas de abusos sexuais. Pais e mães representavam 18,5% dos criminosos sinalizados.
Cumprir promessas
"Somos muito rápidos a assinar as convenções, mas depois não as respeitamos", critica Dulce Rocha. A dirigente exige que o Estado cumpra aquilo com que se comprometeu.
Perguntas
Que informação consta na "lista de pedófilos"?
O nome, idade e residência dos condenados são dados obrigatórios. Os condenados têm 15 dias para comunicar a alteração de morada de casa ou do local de trabalho.
Um nome pode ser retirado do Registo de Condenados?
Sim. Os condenados a pena de multa ou pena de prisão até um ano permanecem no Registo de Condenados por Crimes Sexuais Contra Crianças durante cinco anos. Penas inferiores a cinco anos de prisão obrigam a dez anos de permanência. Há nomes que permanecem durante 15 (penas de prisão até dez anos) e outros durante 20 anos (condenações a mais de dez anos de prisão).
Quantos certificados foram emitidos pelo RCCSC?
Até março deste ano, 1248 pessoas solicitaram o certificado e em 67 dos casos o seu nome constava da lista negra. Só no ano passado, foram emitidos 550 certificados que, a título de exemplo, são exigidos a professores e outros funcionários que estejam em contacto direto com crianças.
Quem pode consultar a lista?
Magistrados, forças de segurança, Serviços Prisionais e comissões de proteção das crianças e jovens podem consultar o Registo de Condenados por Crimes Sexuais Contra Crianças. Pais de crianças menores de 16 anos apenas podem pedir à Polícia que confirme uma suspeita sobre um determinado indivíduo. Não podem, portanto, ver diretamente o documento.
