SEF tem em curso 39 investigações visando dirigentes e agentes por imigração ilegal e tráfico de pessoas. Atletas são traficados como mercadoria por falsos agentes e responsáveis de clubes sem escrúpulos.
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São os esquecidos do estrelato, dos milhões e da glória do futebol. Aqueles que deixaram as suas raízes para ir atrás do sonho de se tornarem o novo Cristiano Ronaldo, mas que foram enganados e tratados como mercadoria por dirigentes de clubes, agentes ou mesmo por outros jogadores. Nos últimos cinco anos, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) identificou 250 atletas estrangeiros que foram vítimas de auxílio à imigração ilegal, na maioria dos casos, praticados por dirigentes de clubes amadores ou de escalões inferiores.
Os números não deixam margem para dúvidas. O fenómeno da clandestinidade contratual no futebol português persiste, apesar de vários mecanismos de prevenção implementados. Nos últimos cinco anos, o SEF investigou 57 clubes de futebol no continente e regiões autónomas dos Açores e da Madeira por suspeitas dos crimes de auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos, levando à constituição de 93 arguidos. São 62 dirigentes, 13 agentes, 12 atletas e um treinador.
Falsos turistas
Só no primeiro trimestre deste ano, os inspetores do SEF constituíram 11 indivíduos como arguidos em sete inquéritos. Atualmente há 39 investigações em curso que deverão dar origem a acusações do Ministério Público (MP).
Muitos destes inquéritos-crime são consequência de fiscalizações aleatórias ou direcionadas a clubes de futebol. Desde 2017, o SEF realizou cerca de 200, abrangendo 17 distritos, incluindo Ponta Delgada e da Madeira.
"A maioria dos casos identificados pelo SEF nessas ações de fiscalização corresponde a cidadãos estrangeiros que entraram em Portugal ao abrigo da isenção de visto para estadias de curta duração (turismo), o que não permite o exercício de atividade profissional", adiantou fonte da polícia das fronteiras.
Para poder jogar em Portugal, um estrangeiro tem de ser possuir um visto de estadia temporária para o exercício de atividade desportiva amadora. Pode, ainda, requerer visto de residência no país de origem ou obter uma autorização de residência se estiver já em território nacional. Mas, para quem quer ganhar dinheiro fácil numa eventual transferência de um destes jovens, estas burocracias são vistas como entraves, levando a que a viagem até Portugal, a estadia e as provas iniciais sejam feitas na clandestinidade.
Se o jogador tem talento, os indivíduos assumem oficialmente a contratação e tratam das regularizações. Se não lhe é reconhecida a possibilidade de dar rendimento financeiro, é muitas vezes abandonado em território nacional pelos "agentes", sem retaguarda nem bilhete de volta para o país de origem.
Nas investigações também foram apurados crimes de falsificação de documento na elaboração de falsos contratos de trabalho com empresas de pessoas ligadas aos clubes. Oficialmente são, por exemplo, operários de construção civil, mas na prática apenas jogam futebol.
Associações
Clubes devem ser responsabilizadospor más práticas
A Associação Nacional de Agente de Futebol (ANAF) e a Associação Nacional de Dirigentes de Futebol e Futsal (ANDIF) são unânimes em pedir formação e regras mais apertadas para travar os prevaricadores. "O futebol não pode ser uma plataforma para a imigração ilegal", considera Artur Fernandes, presidente da ANAF, que tem em mira o tráfico de menores, por exemplo proibindo viagens de menores de 18 anos para Portugal para fazer testes. "O clube é que tem de viajar se quer contratar um jovem e tem de ter departamento de formação. Tem de haver uma corresponsabilização do clube", adianta. Diamantino Gonçalves, da ANDIF, lamenta as práticas de alguns líderes de clubes. "Somos 34 mil dirigentes e poucos são marginais. Nós promovemos formações e estes indivíduos nunca aparecem", garante.
A reter
Visto obrigatório para poder jogar
O registo de um jogador estrangeiro na respetiva associação de futebol depende da legalidade da sua situação em Portugal. Deve ser titular do visto de estadia temporária para exercício de atividade desportiva amadora.
Cinco vítimas de tráfico autorizadas a ficar
Cinco cidadãos estrangeiros foram sinalizados como vítimas de tráfico de pessoas, pelo que obtiveram autorização de residência.
Multa pode chegar aos 90 mil euros
A utilização de cidadãos estrangeiros em situação de permanência ilegal pode levar a coimas entre dois mil e 90 mil euros.
Dados
57
clube de futebol foram investigados pelo SEF nos últimos cinco anos por suspeita de crimes de auxílio à imigração ilegal e tráfico de pessoas.
63
dirigentes de clubes foram constituídos arguidos nos últimos cincos anos. Atualmente, há 39 investigações em curso no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.