Atrás da porta da peixaria, na Rua da Caverneira, no coração do Bairro Sul, Póvoa de Varzim, Irene Costa guarda o velho remo do barco do pai. Mostra com orgulho as siglas poveiras - uma espécie de brasão familiar da classe piscatória - cravadas na madeira. Os símbolos não deixam margem para dúvidas: cálix fechado, lanchinha e pique - "Os Vianeses".
Filha, neta e bisneta de pescadores, explica que a sigla na família vem de longe. O avô da mãe, José Gonçalves Vianez, morreu no naufrágio da lancha "S. José", à entrada da barra poveira, a 2 de Janeiro de 1924. No acidente morreram dez poveiros, perante o olhar desesperado da multidão que, na praia, esperava os homens do mar.
Vitoriana da Assunção, mais tarde conhecida pela "Porquinha" (apelido que, como é tradição, seguiu para as gerações futuras), ficou com oito filhos, entre os quais Ana Assunção, mãe de Susana da Costa e avó de Irene.
A sigla da família Vianez passou de pais para filhos - o pai de Susana adoptou a sigla da mulher com quem casou. Mais tarde, as mulheres, que inicialmente não tinham direito à transmissão do brasão familiar, conquistaram essa prerrogativa pelo trabalho que faziam na venda do peixe, no Ala-Arriba e na feitura de redes.
De todos os irmãos, apenas Susana seguiu as tradições da pesca, tornando-se na mais popular e conhecida peixeira da Póvoa.
"A minha mãe começou a vender peixe na praia, depois na lota e, mais tarde, no antigo mercado", explica Irene. Aos 11 anos, começou a seguir as pisadas da mãe. Lembra-se de se marcar cada peixe e os respectivos cabazes com a sigla da família. Era um "registo de propriedade".
Os "turistas", que chegavam à Póvoa de Varzim em busca do peixe fresco, ainda nos anos 40 e 50 do século XX, admiravam as marcas e, não raras vezes, "pediam para tirar fotografias".
"Quando acabaram as lanchas e vieram os barcos a motor, as siglas deixaram de ser usadas e as marcas no peixe também", explicou Irene.
Hoje já não se seguem as regras de transmissão de pais para filhos, mas para Irene e Susana, agora com 87 anos, a sigla familiar é, como para muitas outras famílias, "um orgulho", a prova da descendência piscatória, a marca de uma família centenária, com tradições e com história, que, embora não sendo utilizada para o seu efeito original, continua a passar de pais para filhos, cravada em medalhas, anéis ou pulseiras.
Numa homenagem às suas origens piscatórias e à "alma poveira" (o concelho era, recorde-se, uma espécie de lugar de Vila do Conde, onde viviam famílias humildes de pescadores e banheiros, por oposição à classe rica, que habitava a cidade vizinha), a Câmara decidiu adoptar um novo modelo de placa toponímica nas renovadas áreas urbanas: primeiro, na Avenida Mouzinho de Albuquerque (inaugurada em Junho passado), depois, na Praça do Almada, pronta no final do Verão.
"Cada placa é uma obra de arte única, pintada à mão. O azul, a cor da cidade, as siglas poveiras que 'emolduram' a placa, recordando as nossas origens, e as figuras, barcos e apetrechos de pesca, o nosso património", explicou, ao JN, o vereador da Cultura, Luís Diamantino. É do autarca a ideia de imortalizar a "alma poveira" nas novas placas toponímicas.
Fernando Gonçalves (Nando), responsável pelo trabalho, faz um amplo trabalho de pesquisa para criar cada placa, na qual é pintado o nome da rua e o rosto da pessoa em causa (com as datas de nascimento e morte e a profissão) ou, em alternativa, um objecto que identifique o local.
"A Rua do Boído, por exemplo, tem uma poita (âncora de antigas embarcações)", referiu o vereador. A Autarquia já decidiu que serão colocadas 287 placas, em todas as artérias centrais da cidade.
