Duas cópias emitidas à mesma hora, duas fitas com quatro horas pré-gravadas na cave de uma rua sem trânsito em Lisboa, dois emissores clandestinos instalados em segredo, a Polícia à espreita. O desencanto juntou gente da rádio que criou uma cooperativa e avançou. Fernando Alves e David Borges voltam a esse tempo.
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17 de junho de 1984, faz amanhã 40 anos, durante quatro horas, as ondas hertzianas estremunhavam rasgadas por uma emissão clandestina que marcaria para sempre a história da rádio em Portugal. A primeira emissão da TSF (a tal telefonia sem fios) ia para o ar. Era domingo, eram nove da manhã, havia gente à espera com o aparelho ligado. Deu trabalho. A montagem dos emissores em segredo, o alinhamento, a recolha de depoimentos, a maneira de despistar a Polícia porque não havia licença. A emissão abriu e, de quando em vez, a voz de Fernando Alves ia por ali fora, casas adentro, com excertos de poemas de Ruy Belo pelo meio - e um slogan publicitário de ar condicionado. E nada ficou como dantes.
A primeira emissão foi gravada numa cave com duas janelas quase rente às escadas na porta 32 da Rua Ilha do Pico, em Arroios, Lisboa, a primeira casa da TSF e o primeiro estúdio forrado com caixas de ovos. A rua não é para carros, tem escadas a toda a largura, de cima a baixo. A cave, onde outrora funcionou uma casa de malhas, de camisolas, casacos, fatos de banho, ganhou uma outra vida no início dos anos 1980. O sítio não tinha bom ar, tinha ratos que pareciam coelhos. “O Rangel descobriu este sítio, era uma coisa inenarrável, esconsa, um antro de escuridão”, recorda Fernando Alves, à porta desse prédio que não está exatamente igual, tem sofrido remodelações no seu miolo ao longo dos anos.