Jornalista Diogo Queiroz de Andrade fala, num ensaio acessível, sobre os potenciais e riscos dos algoritmos na computação.
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O livro "Algoritmos, uma revolução em curso", do jornalista e investigador Diogo Queiroz de Andrade, é um ensaio sobre algoritmos que se propõe a explicar, através de uma "abordagem simplificada", quais são "os riscos e benefícios que eles podem trazer". "É uma introdução ao tema, muito acessível a qualquer pessoa, quer em termos de preço, quer em termos de disponibilidade e também em termos de conteúdo. O objetivo do livro, no fundo, é tentar que nós maximizemos as vantagens e tentemos anular as desvantagens", explica o autor ao JN.
Diogo Queiroz de Andrade recorre a uma metáfora da cientista portuguesa Joana Gonçalves de Sá, citada no livro, para explicar o conceito de algoritmo: "É como uma receita, ou seja, é uma lista bem organizada de ingredientes, muito detalhada com a ordem e o momento em que cada um deles entra, e que leva a uma conclusão."
Maus dados geram maus resultados
No âmbito tecnológico e computacional, os algoritmos surgiram com o desenvolvimento da Inteligência Artificial. "Nos últimos 10 anos, houve grandes avanços na área do 'machine learning' - portanto, máquinas capazes de aprender - porque se criaram e se desenvolveram equações e sistemas computadorizados que permitiram que as máquinas começassem a aprender de forma mais automática", explica, acrescentando que "isso permitiu todo o desenvolvimento" a que a hoje Humanidade assiste. "A grande maioria dos algoritmos com que interagimos são produto do 'machine learning' e por isso são essenciais para alimentar as máquinas e para reproduzir resultados."
A analogia da receita "serve para explicar um dos problemas dos algoritmos, que é a qualidade dos dados". "Se nós colocamos dados maus num algoritmo, o resultado vai necessariamente ser mau", explica o jornalista e também diretor de Inovação da Global Media Group, grupo de média a que pertence o JN, destacando que há um tendência errada de achar que "o que tem a ver com tecnologia, ou pelo menos com computação, é correto, porque a máquina é neutra". "No caso dos algoritmos não é bem assim. Se colocamos dados errados, vamos ter resultados errados", sintetiza.
Avanços "brutais" na Saúde e Educação
O autor do livro destaca a necessidade de "maximizar as coisas boas e descartar as más". Vamos às boas: uma das principais vantagens da aplicação de algoritmos é na área da Saúde, porque "há muita coisa que é muito difícil de trabalhar por causa da quantidade de dados". "Isto é claramente um tipo de serviço que um algoritmo pode fazer com muita inteligência e com muita rapidez: analisar centenas de milhares de perfis ou verificar padrões de doenças em milhões de doentes no mundo inteiro; ou então, conhecer o metabolismo de um doente de forma profunda, como um médico nunca conseguirá fazer, porque precisaria de 500 mil análises. Um algoritmo consegue fazer isso e consegue individualizar um tratamento", exemplifica, prevendo "uma grande evolução da medicina". "Vamos começar a ter os padrões de tratamento padronizados em função do indivíduo. Ou seja, em vez de comprarmos um medicamento na farmácia, que é o mesmo para uma população inteira, vamos poder começar a usar medicamentos e tratamentos de acordo com o metabolismo de cada indivíduo. Isto vai ser um avanço brutal."
Também no Ensino, esta personificação que o algoritmo permite é uma vantagem. "Todos nós aprendemos de forma diferente e gostamos de matérias diferentes. O facto de podermos ter um assistente virtual que ajuda cada pessoa, em função da forma como ela é, a aprender mais facilmente vai ser também uma grande vantagem. Vai ajudar a democratizar o ensino", aponta, sublinhando que há "uma grande desigualdade em termos de
qualidade dos professores e qualidade de materiais à disposição de cada pessoa".
Desinformação e desigualdade são problemas
Do lado dos problemas e desafios que os algoritmos constituem, há a desinformação. "As redes sociais são um bom exemplo de uma tecnologia que devia ter sido regulada e que, como não foi, gerou, por exemplo, o problema da Cambridge Analytica, que levou em parte ao Brexit, que levou em parte a Trump", aponta o autor. "Nos Estados Unidos, os algoritmos têm-se usado muito em questões políticas e sociais e os resultados não têm sido bons. Têm corrido mal e tem havido vários perigos e problemas com investidores que têm sido atacados por causa de opções de algoritmos que têm sido tomadas. E isso também já aconteceu na Europa", diz, defendendo que se deve aprender com os erros cometidos para evitar replicá-los.
Outro grande problema é a "desigualdade", nota. "Temos visto muitos casos em que a introdução dos dados se limita a reproduzir uma situação que existe, levando a que a conclusão do algoritmo seja precisamente mais do mesmo. Por exemplo, há uns anos, a Amazon decidiu criar um algoritmo de trabalho para analisar currículos de candidatos para poder contratar pessoas para os cargos superiores. O que é que se fez? O algoritmo foi analisar como é que eram os cargos superiores da empresa da Amazon, que, na altura, eram 80% homens. E o que aconteceu foi que, automaticamente, começou a excluir mulheres. Foi uma decisão automática do algoritmo, porque o que havia sido pedido era que reproduzisse uma realidade existente", explica.
Ou seja, se nos limitarmos a introduzir os dados de determinada realidade existente, vamos reproduzir essa mesma realidade. "Não queremos isso, queremos é reduzir a desigualdade", reitera Diogo Queiroz de Andrade, dando outro exemplo de uma utilização imperfeita do algoritmo. "Os Estados Unidos utilizam muito algoritmos de reconhecimento facial para questões policiais. E o que tem acontecido é que a maior parte dos algoritmos são muito melhores a identificar pessoas de etnia branca do que pessoas de etnia negra ou asiáica. O que quer dizer que o rácio de erros é tremendo", aponta, sublinhando casos de cidadãos que foram indevidamente detidos porque foram erradamente identificados por sistemas de reconhecimento facial. "Estas coisas não acontecem com brancos, acontecem com negros, porque o algoritmo não está devidamente treinado", indica, reiterando que é essencial que a qualidade dos dados seja boa e que o algoritmo seja transparente.
Apresentação do livro
O livro, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, vai ser apresentado no dia 17 de novembro, sexta-feira, às 19 horas, na Sala Âmbito Cultural do El Corte Inglés de Lisboa (sexto piso). No debate, participam o autor, Diogo Queiroz de Andrade, o deputado Hugo Carvalho e a eurodeputada Maria Manuel Leitão Marques. A obra tem o custo de cinco euros nas lojas físicas (está à venda em alguns supermercados) e de 4,50 euros no site da Fundação.