Domingos de Andrade diz que "estamos a assistir à destruição reputacional de marcas e redações" no GMG
O ex-diretor da TSF Domingos Andrade afirmou que nunca esperou o que está a acontecer nas redações do grupo Global Media e que se está a assistir "à destruição reputacional de marcas e redações".
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O jornalista falava na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, no âmbito do requerimento do Bloco de Esquerda (BE) sobre a atual situação da Global Media (GMG), que detém marcas como a TSF, Diário de Notícias (DN), Jornal de Notícias, entre outros.
Na sua intervenção, Domingos Andrade disse não poder "despir de emotividade" perante a atual situação dos trabalhadores do grupo, que enfrenta um processo de despedimento até 200 pessoas.
"O que está a acontecer nas redações é uma gravidade que nunca julguei possível assistir em democracia", lamentou o jornalista.
"Nós não estamos apenas a assistir ao fim de marcas, estamos a assistir à destruição reputacional de marcas e redações", prosseguiu, referindo que isso está a acontecer "partindo a espinha dessas redações pela fome".
Além disso, "não posso deixar de ficar incomodado com a intromissão pura e simples de uma administração no espaço de opinião e de programação de uma rádio como a TSF", acrescentou.
Pressões da nova gestão da Global Media
O ex-diretor da TSF Domingos Andrade disse hoje aos deputados que sentiu pressões da nova gestão do fundo investimento World Opportunity Fund (WOF) e relatou "apenas um episódio" passado na rádio do grupo.
"Se senti pressões da nova gestão? Claro que sim", afirmou Domingos Andrade, em resposta a questões dos deputados.
"A nova gestão ainda mal tinha acabado de chegar e o senhor Paulo Lima de Carvalho [administrador], depois de ter tentado pressionar o diretor adjunto da TSF" para que ele "dissesse quem foi que aprovou uma determinada notícia" que tinha ido para o 'site' da rádio e goradas as tentativas, tentou "fazer o mesmo comigo", relatou o jornalista.
"Isto é apenas um episódio", acrescentou.
Na sua intervenção, Domingos Andrade contou ainda que teve conhecimento oficial que iria entrar um novo fundo "em meados de maio" de 2023.
"Tive conhecimento a partir de um telefonema de Marco Galinha [que era na altura presidente executivo (CEO) da GMG] dizendo que íamos ter ajuda de um novo administrador" que se chamava Paulo Lima de Carvalho, que viria com o fundo "cujas negociações estariam em bom andamento", prosseguiu.
O então diretor da TSF foi ver quem era Paulo Lima de Carvalho, apercebendo-se que este tinha trabalhado em "várias áreas", entre as quais na Casa da Música, no Porto, e "que também tinha ligações a uma empresa de assessoria para a comunicação "e que tinha ligações a um familiar de Luís Bernardo de outra empresa que se chama WL Partners".
Além disso, Domingos Andrade leu uma investigação na revista Sábado sobre o tema e diz ter ficado "apreensivo, tendo em conta algum histórico que já havia no próprio grupo como tentativa de controlar as parcerias com as câmaras municipais".
Entretanto, Paulo Lima de Carvalho "acabou por assumir praticamente a gestão de todas as áreas, menos a minha, que tratava, sobretudo, a questão editorial, daquilo que eram as necessidades das redações", prosseguiu.
Domingos Andrade garantiu que nunca teve conhecimento de qual era o objetivo dos acionistas, nem nunca teve uma reunião com o José Paulo Fafe [atual CEO da GMG], nem com Diogo Agostinho, "administrador que saiu agora recentemente acusado de traição pela própria administração" atual, de acordo com as notícias.
O jornalista teve uma reunião com os administradores Paulo Lima de Carvalho e Filipe Nascimento, depois de toda a equipa da Comissão Executiva ter chamado o então diretor executivo Pedro Cruz "convidando-o" para ser seu interino, "ao que ele terá recusado".
Nessa reunião, "a única que tive, basicamente o que me disseram é que me queriam afastar da TSF, era preciso encontrar uma solução no regresso a casa, no regresso ao Jornal de Notícias e eu respondi, do princípio ao fim" que pretendia continuar diretor da rádio enquanto a redação assim o entendesse, salientou Domingos Andrade.
Depois disso, "não tive mais nenhuma reunião com ninguém, nem sequer que me permitisse perceber as razões da minha saída quer como administrador para a área editorial da Global Media, quer como diretor da TSF".
Questionado sobre a situação financeira do grupo antes da entrada do WOF, o jornalista disse que "tanto quanto é do conhecimento público o grupo fecha o primeiro semestre com um EBITDA [resultado antes de impostos, juros, depreciações e amortizações] de 430 mil euros".
Este era "o quadro que havia no primeiro semestre de 2023", acrescentou.
Recordou ainda que em fevereiro passado, a Comissão Executiva "no seu todo" aprovou aumentos salariais para "compensar as graves dificuldades" que as pessoas estavam a sentir.
Primeiro foi aumentado o subsídio de refeição e depois proceder-se-ia a um aumento do salário escalonado.
"Esse aumento salarial parou partir do momento em que entrou o novo administrador", que pediu para aguentar os aumentos salariais até setembro.
A atual Comissão Executiva, liderada por José Paulo Fafe, tem esgrimido acusações aos restantes acionistas da GMG, acusando de terem protagonizado situações "ética e moralmente condenáveis" que contribuíram para a atual situação difícil do grupo e que "raro é o dia" em que não é apanhada "de surpresa".
Questionado sobre se havia ou não conhecimento por parte do WOF sobre as contas reais da empresa, Domingos Andrade foi perentório: "Não me parece que se façam 'due diligence' [análise e investigação] e que depois não se perceba" o que lá está.
"A destruição de valor tem sido tão grande, tão grave, tão gritante, eu não consigo sequer vislumbrar o que pode acontecer daqui para a frente", acrescentou.
A GMG não é a "mercearia da esquina", tratam-se de "marcas essenciais e absolutamente estruturantes para a construção da nossa democracia", reforçou, salientando que há um "cardápio" de entidades, ferramentas para regular a atividade dos media, considerando que isto terá impactos para o setor.
"Se alguém tem de atuar são os acionistas"
O ex-diretor da TSF Domingos Andrade afirmou hoje que "se alguém tem de atuar" na atual situação da Global Media "são os acionistas, considerando que estes não devem estar confortáveis com o que se passa no grupo.
"Se alguém tem de atuar são os acionistas, os acionistas é que não podem estar, e parece que não estão, confortáveis com o que está a acontecer", disse, em resposta aos deputados.
"Se não houver projeto de media, se não houver Global Media" - esta é "apenas um chapéu -, o que estamos a falar verdadeiramente é de marcas concretas e claras, TSF, Jornal de Notícias, Diário de Notícias, Açoriano Oriental", entre outros, apontou, salientando que o impacto da destruição das marcas quer a nível do território e da lusofonia "é avassalador".
Questionado sobre a sua relação com o anterior presidente executivo da GMG, Domingos Andrade afirmou ter sido difícil.
"Foi sempre um relacionamento difícil por parte de alguém como o Marco Galinha que exerce uma Comissão Executiva musculada, mas sempre dentro daquilo que são os limites da decência pública", disse aos deputados.
A atual Comissão Executiva, liderada por José Paulo Fafe, tem esgrimido acusações aos restantes acionistas da GMG, acusando de terem protagonizado situações "ética e moralmente condenáveis" que contribuíram para a atual situação difícil do grupo e que "raro é o dia" em que não é apanhada "de surpresa".
Em 29 de dezembro, os acionistas da GMG Marco Galinha, Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Mendes Ferreira consideraram que tinha sido o "manifesto incumprimento" de obrigações pelo fundo de investimento World Opportunity Fund (WOF) que impediu o pagamento de salários aos trabalhadores.
"Existe uma situação de manifesto incumprimento por parte do World Opportunity Fund, Ltd quanto a obrigações relevantes dos contratos, que, ao não ter ocorrido, teria permitido o pagamento dos salários e o cumprimento de outras responsabilidades da empresa", sustentaram.
Neste esclarecimento, Marco Galinha, Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Mendes Ferreira garantiram que irão "recorrer a todos os meios ao seu dispor para exercer os direitos legais e contratuais que lhes assistem" e "de tudo fazer quanto estiver ao seu alcance para restaurar a credibilidade do GMG e das suas marcas, honrando a história do grupo".
No dia seguinte, a Comissão Executiva da GMG liderada por José Paulo Fafe anunciou que iria avançar com uma auditoria a todas as operações e negócios, para apurar o que levou à sua atual situação financeira.
Já em 02 de janeiro, a Comissão Executiva do grupo acusou os outros acionistas de protagonizarem situações "ética e moralmente condenáveis" que contribuíram para a situação atual da empresa.
O WOF detém 51% das empresas Palavras Civilizadas e Grandes Notícias, onde os acionistas Marco Galinha e António Mendes Ferreira são detentores dos restantes 49%, de acordo com nova gestão da GMG, sendo que estas duas controlam 50,25% da GMG.
"De facto, o WOF tem uma participação indireta em redor de 26,0% no GMG", contando com participações de 29,35% de Kevin Ho e 20,40% de José Pedro Soeiro, segundo a Comissão Executiva.