Legislação garante uma liberdade de imprensa robusta, mas é preciso mais garantias do Estado
A legislação que garante liberdade de imprensa é robusta, mas não significa que não esteja exposta a um conjunto de novos desafios. E a resposta pode passar por encontrar um equilíbrio do papel do Estado. O tema foi alvo de debate esta quinta-feira numa conferência em Lisboa.
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Portugal "tem um quadro legal robusto e uma Constituição mais densa do que o habitual na defesa da liberdade de imprensa", mas a ameaça da desinformação, a fragilização da pluralidade e a sustentabilidade da estação pública de rádio e televisão obriga a pensar noutros instrumentos de base legais.
Foi assim que Pedro Delgado Alves, investigador do Centro de Investigação Lisbon Public Law, abriu a conferência "A democracia e a segurança dos jornalistas”, organizada pelo CoLABOR - Laboratório Coletivo para o trabalho, emprego e proteção social e pelo gabinete da representante para a Liberdade dos Media da Organização e Segurança e Cooperação Europeia (OSCE), na Fundação Portuguesa das Comunicações, em Lisboa.
É nas redes sociais que esta "ferramenta que garante o pluralismo de opiniões" é principalmente usada contra o jornalismo, a uma escala global. “As normas têm de ser desenhadas, têm de ser dados instrumentos de ação mais célebres, como meios processuais, judiciais ou de intervenção”, concretiza.
Perante a transformação digital, Telmo Gonçalves, vogal da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), crê que a legislação deve ser alvo de uma "atualização constante". O regulador confessa ter uma "visão otimista" sobre o caminho que a União Europeia está a trilhar na regulação da comunicação social. Há, todavia, áreas mais cinzentas, como a propriedade dos media, cujos “limites podem ser repensados”, admite.
Já Pedro Rita, advogado e investigador do CoLABOR, considerou que o desafio atual se prende sobretudo com uma questão de fiscalização. Mas há também princípios que precisam de ser reforçados como a anti-concentração de títulos, a transparência da compra e venda os órgãos de comunicação social e direitos laborais no código do trabalho. Para o investigador, é difícil pensar “numa liberdade de imprensa plena” se do ponto de vista da lei de trabalho os jornalistas enfrentam uma série de constrangimentos, desde logo a garantia da conciliação da vida pessoal, familiar e profissional.
Os debates desta quinta-feira decorrem numa altura em que o Plano de Ação para a Comunicação Social do Governo continua a ser contestado em especial devido às mudanças previstas para a RTP. Tirando “dois ou três temas mais polarizados”, na verdade grande parte das medidas aproxima-se das mudanças sugeridas pela estratégia Europeia, notou Pedro Delgado Alves. Mas "o serviço público não pode ser o parente pobre desta preocupação”, advertiu.
Já Pedro Rita, considera que seria importante o plano fomentar a distinção entre a atividade de jornalistas e de outros trabalhadores no espaço informativo, como os que produzem conteúdos para as redes sociais e os comentadores. De resto, considerou que o plano "é bastante vago" em medidas que apoiem os jornalistas, sem o Governo elaborar como é que pretende combater a precariedade que asola a classe.
Quanto ao financiamento dos media, Pedro Delgado Alves desmistificou a ideia de que o apoio do Estado vem "contaminar" o serviço público. Sem esse papel, “só quem tem capacidade económica é que irá produzir a informação que lhe interessa”, alerta.
Apoiar e garantir independência ao mesmo tempo
O quadro atual, baseado na publicidade, é de "falência", observa Pedro Rita. O investigador concordou, por isso, com a intervenção do Estado, mas por via de “um meio de sistema equilibrado" que não faça dos órgãos financiados "a sua extensão mediática" e que, ao mesmo tempo, "reconheça lugares diferentes para a produção pública de informação e atividade privada”.
Telmo Gonçalves escusou-se de se pronunciar sobre as medidas do plano por estarem a ser analisadas por instrumentos legais, mas mostrou estar de acordo com a importância do financiamento do serviço público. “Não se deve ter medo dos incentivos à comunicação social. Há muitos mecanismos e formas muito já experimentadas para se conseguir proteger a liberdade de imprensa e a independência do jornalismo. E de, simultaneamente, o Estado cumprir uma função de manter a liberdade de imprensa e manter as suas sociedades pluralistas, algo fundamental numa democracia", salientou.
Subida de regimes autoritários gera menos segurança
A mesa redonda foi aberta com a contextualização do estado da liberdade de imprensa no mundo, que está a descer ao nível dos anos 80 com a subida de autocracias. Em 2023, 71% da população mundial vivia sobre a governança desses regimes, quando há 30 anos este valor chegava a metade, notou Ruth Kronenburg, diretora-executiva da Free Press Unlimited.
“Sem informação, é impossível fazer decisões, especialmente em tempos de conflito, mas para isso é preciso garantir primeiro a segurança dos jornalistas”, alertou a investigadora, que apresentou um dado sobre a falta de segurança de jornalistas nos Países Baixos. Os casos de agressões verbais, ameaças, intimidação, partilha de dados pessoais de jornalistas, bem como agressões físicas estão a aumentar. Mas também de detenções durante a cobertura de ações e manifestações
E em Portugal, qual é a situação? Embora ocupe o 7.º lugar em 180 países no ranking da liberdade de imprensa deste ano, mas os jornalistas portugueses estão expostos a um conjunto de desafios económicos, jurídicos e de segurança. Mas também por uma crescente autocensura e ameaças verbais e intimidações no digital, em linha com o crescimento da extrema direita em Portugal, sublinha Sofia Branco, presidente da Associação Literacia Para os Media, moderadora da discussão.
A sessão foi aberta pelo diretor-executivo do CoLABOR, João Vasco Lopes e Teresa Ribeiro, ex-representante para a Liberdade dos Media da Organização e Segurança e Cooperação Europeia (OSCE RFoM), que sublinharam o papel do jornalismo no reforço do estado de direito e para uma boa governança. Alertando, tal como os convidados de painel, que as ameaças aos jornalistas e a precariedade têm impactos negativos na qualidade informativa.
“É preciso mostrar que a liberdade dos media é um elemento constitutivo dos media e não é uma ameaça à segurança”, resumiu Teresa Ribeiro, defendendo que se deve combater este desafio em várias frentes, além do financiamento. Desde logo através de um “serviço público robusto”.
O evento conta com o alto patrocínio do presidente da República e o apoio do Sindicato dos Jornalistas e deverá ser encerrado pelo secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares.