Ritual iniciático é importante para o desenvolvimento de jovens, mas também há riscos.
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É quase um ritual iniciático. A música é a via de acesso para um mundo de novas experiências, em espaço longe da realidade, num tempo eterno e efémero. Mas um festival é muito mais do que concertos.
Desde as primeiras experiências, em Vilar de Mouros, ainda no tempo da ditadura, até agora, os festivais cresceram, popularizam-se e transformaram-se num fenómeno de Verão. Este ano, são mais de 40. Para todos os estilos, gostos e perfis.
Albertino Gonçalves, sociólogo e investigador da Universidade do Minho, considera que "os festivais identificam-se com uma corrente, com um modo de vida". O que não inviabiliza que várias tribos coexistam no mesmo evento.
A tendência é para a massificação, como espelha a crescente oferta e diversidade de festivais. Já não se trata de um fenómeno residual, ao qual rumavam apenas uns quantos iniciados, mas um destino de férias.
A mística, porém, prevalece. "O primeiro dia de festival é a descompressão completa. Sair do trabalho e entrar num contexto de total liberdade é uma experiência indescritível", conta João Fernando Ferreira, 37 anos e um vasto currículo de "festivaleiro" construído desde 1982, em Vilar de Mouros. Ainda hoje, ele e os amigos combinam encontrar-se, ano após ano, em Paredes de Coura, no "local do costume".
Nos festivais, a vivência partilhada entre pares, tal como acontece nas romarias ou nas raves, é uma dimensão tão ou mais importante do que a fruição musical. "Uma viagem a uma espécie de utopia, a um espaço de libertação, em que há abertura para que tudo aconteça, na companhia de outros iguais a mim, num contexto em que as regras são feitas por cada um e as bandas assumem-se como totens, que o clã venera", diz Albertino Gonçalves.
Enquanto experiências iniciáticas - em que cada um desafia ou excede os seus próprios limites - os festivais são importantes oportunidades de autodescoberta. "Não é colocando os jovens em redomas que se previnem excessos, designadamente de drogas", sublinha Raul Melo, psicólogo e técnico do Departamento de Intervenção na Comunidade do Instituto da Droga e da Toxicodependência. Até porque, acrescenta, "o contacto com substâncias é inevitável e é muito importante que o jovem esteja preparado para esse confronto, aprenda a gerir as pressões e antecipe a resposta mais adequada".
"Para muitos jovens, é a primeira vez que se deslocam para longe, sem os pais, para acampar e estar com os amigos. Há toda uma excitação que leva à procura de novas sensações. Nestes contextos, as drogas estão fortemente associadas ao prazer, à diversão e à intensificação de toda a experiência. É como se não houvesse festas sem consumo de substâncias", explica o psicólogo.
Isto não quer dizer que todos consumam ou saiam de lá toxicodependentes. O padrão de consumo é de tipo recreativo: tem a ver com o momento e com o que contexto que se está a viver.
Se há festivais conotados com uma faixa etária muito jovem, como o Sudoeste, por exemplo; outros foram fidelizando um público que, entretanto, cresceu e formou família. Embora ainda não seja o mais habitual, já se vêem pais e filhos juntos nos concertos. Este ano, em Paredes de Coura, há registo de uma maior afluência de adolescentes e jovens, contrariando a tendência de um público mais maduro, refere João Carvalho, sócio-fundador do festival. Alguns serão filhos de "festivaleiros" que passaram o legado.
João Ferreira que manter viva a tradição: "Quando a Bárbara (3 anos) crescer, quero levá-la a um festival".