Milhares de eleitores portadores do Cartão do Cidadão vão votar obrigatoriamente pela primeira vez nas autárquicas no local da sua residência, perdendo o direito de votar no concelho onde nasceram e mantinham laços afectivos com o poder local.
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Mais de 1.700 milhões de cidadãos possuem o Cartão de Cidadão, segundo fonte do Gabinete da Secretária de Estado da Modernização Administrativa, uma situação que obriga os portadores a votar onde residem e não onde estavam recenseados.
A partir de agora, os eleitores ficam automaticamente inscritos na freguesia correspondente à morada que tenham indicado no pedido do cartão.
Segundo a Direcção-Geral da Administração Interna, até às Europeias foram enviadas 265 mil notificações (informando a freguesia e número de inscrição) para eleitores que, por terem obtido o Cartão de Cidadão, foram inscritos pela primeira vez ou alteraram o seu recenseamento.
Natural de Abrantes, Maria do Rosário Silva, 41 anos, sempre votou no concelho onde nasceu. Mas desta vez, vota pela primeira vez em Oeiras, onde vive há mais de 20 anos.
A advogada, que já tem Cartão de Cidadão, reconhece que "faz algum sentido" votar onde reside, mas preferia votar em Abrantes, até porque isso a aproximava das suas raízes.
"Votar nos dois concelhos nunca seria possível", lamenta Rosarinho, como é carinhosamente tratada no concelho onde cresceu, defendendo que os cidadãos deveriam ter opção de escolha.
Rosarinho assume que gostaria de continuar a contribuir para o seu concelho, bem como Nuno Saramago que, apesar de lisboeta, sempre votou no concelho do Crato (Portalegre), onde vivia desde os sete anos e onde se recenseou.
Depois de obter o Cartão do Cidadão, o informático de 33 anos é obrigado a votar pela primeira vez na Ajuda, onde reside.
"Faz mais sentido votar naquele concelho que nos diz mais, onde temos maior ligação, onde conhecemos a maioria das pessoas", defende, assumindo que votar no Crato era um "pretexto" para lá ir e rever amigos e familiares.
"As pessoas deveriam ter a opção de escolher em qual concelho votar, deveria haver maior flexibilidade", sublinhou, salientando que "um voto tem muito mais peso num concelho com poucos habitantes".
Para Nuno esta situação vai gerar "desinteresse" à maioria dos cidadãos, podendo aumentar a abstenção.
Alguns responsáveis ligados à legislação eleitoral contactados pela Lusa reconhecem que é "injusto" o facto dos cidadãos serem obrigados a votar em determinado concelho, assumindo ser "um passo para o fim da liberdade, que é a residência obrigatória".
Os responsáveis salientam a importância do recenseamento obrigatório aos 18 anos, mas admitem que a obrigatoriedade de votar no local de residência "retira completamente o direito ao voto" no local onde se recensearam.
Já para o sociólogo André Freire, "faz mais sentido que as pessoas votem no local de residência", pois "quando há ligação com a terra, há sempre e não é o facto de votar sempre lá que aumenta a relação afectiva".
O investigador do ISCTE considera esta medida "muito positiva" pois "pode aumentar a participação dos cidadãos".
"Muitos eleitores que residem longe do seu local de voto não percorrem quilómetros de propósito para votarem nas eleições autárquicas, legislativas ou europeias", advertiu.