A circunstância de o PS ter perdido a maioria absoluta permitiu ontem, à generalidade dos partidos, clamar por vitória. Mas a verdade nua e crua tem outras cambiantes e não permite outra leitura que não seja a de aceitar o PS e José Sócrates como vencedores.
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Dito isto, é preciso acrescentar que os socialistas perdem uma vintena de deputados, um mal menor, dirão eles, se se pensar que o partido corria o risco de perder as Legislativas como perdera as Europeias. Sócrates vence, perde a maioria absoluta e vai ser obrigado a governar em minoria. A arrogância de que deu provas em muitos momentos da anterior legislatura é seguramente a razão maior para o prejuízo do PS, mas também é verdade que Sócrates vence um combate que visava a sua pessoa e que pareceu, pela persistência e pela dureza, capaz de o derrubar. Agora, Sócrates precisa de um Governo forte mas mais maleável, mais dialogante, com ministros mais pacientes - e isso não significa mais frouxos - em pastas que levantaram muita contestação na legislatura que termina. E precisa de humildade para ouvir a Oposição festejar cada uma das substituições de ministros que fizer. Não é fácil.
Bem vistas as coisas, neste panorama de contrastes, de perde-ganha, cabe perfeitamente o lugar-comum da "sábia decisão dos portugueses": a escolha recaiu sobre o PS, sem maioria absoluta, o que obriga os socialistas a serem mais comedidos, a trilharem mais vezes a via do diálogo e obriga os partidos da Oposição a reconhecer que são o PS e Sócrates os preferidos pelo eleitorado para gerir os nossos destinos. Num mundo perfeito, esta simples leitura proporcionaria rapidamente um Governo, eventualmente de apenas um partido, que receberia dos seus opositores parlamentares luz verde para avançar com alguns programas entretanto concertados entre todos e obrigaria a negociações constantes noutros. Mas, como o mundo está longe de ser perfeito, o próximo Governo, provavelmente de PS sozinho, não sabe que vida terá: longa se houver diálogo de parte a parte, curta se um dos lados, seja o Governo seja a Oposição, resolver esticar a corda até que quebre. O que todos saberão é que as suas responsabilidades serão rapidamente julgadas em novo acto eleitoral.
Foi a perda da maioria absoluta pelo PS que permitiu, aliás, que todos encontrassem a que se agarrar na hora de lerem os resultados. Até o PSD. Os sociais-democratas ficam no mesmo nível a que Santana Lopes os deixou. O PSD julgou mal a sua vitória nas Europeias, viu nisso mais do que o castigo imposto pelo eleitorado ao PS e julgou que bastava cavalgar o descontentamento com os socialistas, sem avançar com propostas concretas, sem abrir ao eleitorado janelas de esperança. O partido está tão perdido como há quatro anos e o que parecia estar a ganhar em credibilidade esboroou-se às mãos do eleitorado. Mudará inexoravelmente de líder após as Autárquicas - Ferreira Leite tem mandato até à Primavera - faltando apenas saber se o fará em tranquilidade ou com as convulsões a que já nos habitou.
É compreensível que CDS e BE clamem vitória: a subida é grande e aqui o jogo dos contrastes é o oposto: que lhes importa que o PS tenha ganho as eleições se tudo o resto foi conseguido? O número de deputados em S. Bento é muito maior e cada um deles tem bandeiras para agitar: o CDS deixa o papel de pequeno partido eventualmente útil aos desígnios do PSD e passa a ser uma séria ameaça para os sociais-democratas; os deputados do CDS são inclusivamente, suficientes para formar uma maioria com o PS o que deixa Portas em posição privilegiada; o BE passa o PCP. É claro que os comunistas têm, nomeadamente ao nível sindical, uma autoridade que o BE (ainda) não tem, mas o Bloco ganha um papel na esquerda que lhe vai permitir discutir com os comunistas, na Assembleia e na rua, a liderança da contestação ao Governo pela esquerda.
O PCP bem pode clamar que a direita perdeu votos e deputados. Bem pode querer encostar o PS à direita: ganhando votos, os comunistas são ultrapassados por dois partidos, um deles é da tal direita e o outro é o BE, um inimigo de estimação que cresce mais e mais depressa do que o PCP. De agora em diante, os comunistas vão ter de passar a dirigir parte das suas intervenções também contra os bloquistas.
Lidos os resultados, as atenções não estarão apenas centradas na formação de um novo Governo. É tempo de Cavaco falar. Tarde, mas, segundo ele, ainda a tempo. Oxalá seja esclarecedor. Com um Governo minoritário, o país precisa de um árbitro que não esteja nem prisioneiro nem fragilizado pelo seu próprio silêncio.