O JN foi a Paredes de Coura saber como é a vida num festival.
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Sempre que chega o Verão, milhares de jovens saem de casa, com mochilas às costas e rumam para locais inóspitos que, sem os festivais de música, nunca seriam destino de férias da maior parte. Naqueles acampamentos, mais ou menos improvisados, existe uma sociedade com regras próprias, onde as convenções sociais habituais valem de pouco. Ali, vive-se uma utopia. Um mundo perfeito onde o prazer é o norte que ruma as acções de cada um. Para atingir esse objectivo quase tudo é permitido, mesmo que vá contra a lei. E, nos festivais, não há olhares reprovadores. Ali, ao contrário do mundo real, todos podem ser aquilo que querem ser.
09h00 Acordar penoso
Mal o sol aquece, ouvem-se os primeiros fechos das tendas a abrir. Corpos cansados e doridos espraiam-se para fora das tendas à procura de ar fresco. O sono foi de curta duração, mas já não dá para mais. É preciso levantar. Não é preciso muito mais tempo até os primeiros berros de alvorada ecoarem pelo parque de campismo da Praia do Tabuão onde as tendas se encavalitam umas em cima das outras e praticamente todos os lugares, mesmo os mais inclinados, estão ocupados.
"Vamos lá que não há tempo a perder!" berra-se de uma tenda. Uma massa de gente ensonada, como um exército de zombies, dirige-se vagarosamente de mochila às costas e toalha ao ombro para os chuveiros e casas de banho. Só depois deste primeiro contacto com a água é que os festivaleiros acordam verdadeiramente e, aí, sim, se entra no espírito dos dias.
13h00 Almoço quase caseiro
O orçamento é magro e poucos são aqueles que entram em loucuras gastronómicas para almoçar porque nas tendas também há lugar para dispensa. Pão de forma, saladas, salsichas, atum e conservas similares são um "must" para qualquer festivaleiro que se preze. Nos lava-loiças, Pedro Assunção, da Golegã, preparava uma salada de atum para o almoço. "Para o almoço chega, mas à noite é mais alguma substância e tenho ali um chouricinho da terra que é muito bom", diz.
Junto ao rio, um grupo da Quarteira acende pacatamente três forninhos a gás para aquecer o almoço. Têm como banda sonora a música infantil de um daqueles órgãozinhos de plástico que toca sem parar. "O pessoal curte, assim, toda a gente sabe que somos nós que estamos a passar", explica Ricardo. Enquanto a água fervia nos tachos, as minis de cerveja refrescavam dentro do Coura. Bolonhesa, esparguete com salsicha e outras massas eram os pratos do dia. "É uma ementa equilibrada para o festival, eu recomendo as massas porque enchem e sabem bem", sugere António.
16h00 Tarde de ócio
Durante a tarde, a praia fluvial enche-se de diferentes tribos e sotaques em amena cavaqueira. No vale do Tabuão, faz-se de tudo um pouco. Um grupo aproveitava para cortar o cabelo. Outro fazia tranças. Sentados numa toalhinha de piquenique onde o garrafão era o centro da mesa, bebia-se vinho tinto ao sol. Por entre os acordes que saíam do Palco de Jazz, as brisas de vento traziam frequentemente o cheiro a cannabis ou a haxixe. Um aroma que juntamente com a música enche o ar ao longo de todo o dia e noite. Sentados numa mesa de madeira, um grupo de Vila Nova de Gaia jogava póquer. Trouxeram cartas, paninho verde e fichas. "É a melhor forma de passar o tempo e de procurar a moca", explicava Vasco. Com eles estava Noel que veio do Algarve. "Mais de 10 horas de camioneta. Custou, mas valeu a pena", declara.
20h00 Jantar para tapar buracos
Já dentro do recinto, os mais abonados ou os com menos recorriam às barraquinhas de comida. Fast-food e sandes variadas é o que há. Alexandre trincava, com ar satisfeito, uma sande de frango panado. "Está uma maravilha, picante e tudo", descreve. Ele e dois amigos chegaram há pouco de Famalicão. Vão e vêm todos os dias porque "há que trabalhar, mas não podíamos perder o festival e é só uma horita de viagem", justifica. "Uma sandezinha e umas cervejas são o suficiente para aguentar a noite", diz. "É cansativo, mas pela música, faz-se tudo", completa Tiago.
23h00 Música para a cabeça
Os concertos soam no palco principal e os festivaleiros sobem e descem o monte conforme o que é mais apelativo: a música que sai das colunas ou a cerveja que sai do barril. À frente do palco estão os mais jovens e fanáticos, que não se importam de sofrer uns apertos para ver de perto os seus ídolos. Em cima e mais ao lado, na praça do segundo palco, aproveita-se para beber uns copos. Cerveja, caipirinhas e uíque são as bebidas à disposição. Trocam-se experiências e vivências diferentes à medida que se cruzam pessoas de todo o país. No final dos concertos no palco principal, as luzes acendem-se no palco after-hours onde a electrónica predomina sobre o rock.
Longe do palco, gera-se, espontaneamente, uma roda de hip-hop e dois jovens degladiam-se em passos de dança movidos a álcool ao som de electro. Daniel, de óculos verdes luminosos, é o centro das atenção. "Vim de Rio Tinto, Oporto city, para pôr tudo a mexer", diz, sem falsas modéstias. E não se cansa porque tem "a força da amizade".
04h00 A festa não pára
O fim das actividades no recinto não implica o fim da festa. A meio da descida para o campismo, um bar permanece aberto e a esplanada vira pista de dança onde corpos se movem aceleradamente. "No campismo há muito barulho. Por isso, vamos dançar até não poder mais. Assim, chegamos à cama e é só deitar para adormecer", explica Afonso, 17 anos, de Lisboa. Rui tinha feito 18 anos na noite anterior e teve como prenda um grande concerto de Franz Ferdinand.
Lá para as 5 da manhã, o cansaço instala-se e começa o êxodo para o parque de campismo. As forças estão a acabar e é preciso recarregar as baterias para mais um dia. Isto se, quando chegarem à tenda, não houver uns vizinhos com insónias. Aí, o melhor a fazer é juntarem-se à festa.