Mário Claúdio: "Cristiano Ronaldo parece estar a descansar sobre os louros"
Mário Cláudio, 68 anos, escritor, falou ao Fash interview do JN.
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Aconteceu-lhe bocejar durante o jogo de Portugal contra o Brasil?
Exactamente! Aquele jogo provocou-me um grande enfado. Acompanhei-o com interesse, mas também com grande sonolência.
Com o apuramento garantido para as duas selecções, o empate a zero pareceu-lhe combinado?
Dá um bocado essa impressão, não dá? Mas, por outro lado, fiquei com a noção de que houve um domínio nítido do Brasil. Houve mais perigo na nossa baliza.
O escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro escreveu ontem, no JN, que a harmonia entre países irmãos é uma coisa, mas a Copa do Mundo é outra. Concorda com ele?
Concordo, absolutamente. Não acredito em alianças quando se trata de vencer um campeonato. Até porque a atitude dos portugueses perante uma derrota é muito diferente da dos brasileiros. Os brasileiros jogam para ganhar e regozijam-se com a vitória. Mas para nós, portugueses, o mais triste seria ficarmos no meio da tabela. Porque nós também nos regozijamos, embora de forma lamurienta e negativa, com os grandes desastres. Os portugueses estão preparados psicologicamente para a glória e para a tragédia. Uma coisa ou outra fá-los sobreviver. O meio termo não significa nada.
Uma criança, filha de emigrantes portugueses, foi proibida de entrar na escola, em França, por levar vestida uma camisola da nossa selecção. Depois do mail que circulou no Luxemburgo, acha que há uma perseguição aos emigrantes portugueses?
Não, são coisas diferentes. No caso da França, isso afina perfeitamente com a proibição do véu. Os franceses tiveram um colonialismo disfarçado e até vergonhoso. Condiz perfeitamente com o que eu penso da mentalidade francesa: acanhada, quando se trata de aceitar o outro, e com aquela consciência de uma superioridade intelectual.
José Sócrates disse ontem que se sente sozinho a puxar pelo país. Diria que é como Cristiano Ronaldo a puxar pela selecção?
Eu vi-o muito apagado. Não o vo de maneira nenhuma com a energia de um puxador.
Tão apagado como Sócrates?
Sócrates não é apagado, é acossado. O discurso dele é o de um homem perseguido a querer defender-se a todo o custo. Ronaldo não, Ronaldo dá a impressão de estar a descansar sobre os louros. É uma atitude um pouco estranha num jovem, mas também não sabemos qual é o horizonte dele. Se calhar já o atingiu, mesmo que só inconscientemente.
O futebol parece inspirar o mundo inteiro. Para si, enquanto escritor, também é uma inspiração?
O que é inspirador é a reacção das pessoas. O futebol, em si, não me inspira absolutamente nada. Seria incapaz de escrever o que quer que fosse sobre futebol. No entanto, parece-me muito interessante a capacidade que o futebol tem de mobilizar pessoas.
É mais fácil ser herói nacional a jogar futebol do que a escrever livros?
Não tenho qualquer dúvida a esse respeito. Um jogador de futebol é um herói tão grande como um gladiador.
E o que é que isso pode dizer de um país?
Pode dizer coisas bastante tristes. Pobreza e falta de imaginação. Não haveria motivos para ficarmos alarmados se esta espécie de febre futebolística que os portugueses têm fosse compensada por outras opções e paixões. Mas isso não se vê aqui. Mesmo ao nível de outros desportos.