Os sul-africanos chamam-lhe "jump the gun". O que significa qualquer coisa como "para resolver um problema saca-se de uma arma". A África do Sul tenta a todo o custo livrar--se da etiqueta de nação mais perigosa do planeta. Conseguirá?
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Basta percorrer meia dúzia de artérias da pujante Joanesburgo para perceber a fortificação de alguns edifícios, basta observar a forma como as pessoas se abeiram dos ATM para levantar dinheiro, quase sustendo a respiração durante aqueles dois minutos, basta atentar nos guardas corpulentos que adornam as entradas de muitas habitações.
O crime é uma realidade tão instalada entre os sul-africanos que não lhes resta outra alternativa senão viver com ele. "Há imensos criminosos", ilustra, com naturalidade, Dennis Adrião, porta-voz nacional da Polícia sul-africana e português de gema.
De facto, são imensos. Tantos que nem o próprio presidente da República do país do arco-íris, Jacob Zuma, se inibiu, há meses, de classificar a África do Sul como a nação mais violenta do Mundo. Desabafo que foi visto com alguma surpresa, tendo em conta a realização do Mundial de futebol, mas que se insere numa estratégia que visa tornar mais musculada a intervenção policial, fazendo regressar a esfera da sua actuação à era do apartheid, onde se disparava primeiro e se perguntava depois. Recorde-se que, com o fim da segregação racial imposta pelo Estado, a Polícia foi proibida de disparar durante as perseguições.
A verdade é que estudos académicos recentes concluíram que a confiança dos sul-africanos nas autoridades policiais já conheceu melhores dias. Em parte devido à corrupção, mas, sobretudo, devido aos critérios de actuação: os subúrbios ricos têm policiamento rápido 24 horas por dia, enquanto as áreas menos opulentas, por tradição palco privilegiado da criminalidade, aprenderam a conviver com poucas sirenes.
Procurar uma única resposta para o fenómeno da criminalidade na África do Sul é quase tão frustrante como contar grãos de areia no deserto. "Os fenómenos são vários, mas as autoridades têm apostado muito nos últimos anos em inverter as estatísticas", refere, em declarações ao JN, Dennis Adrião. Mas nenhum programa de entrega de armas nem nenhum reforço policial circunstancial conseguiu suster a hemorragia.
A cultura de violência explica-se, em parte, com as feridas que o apartheid deixou em carne viva, gerando dois mundos desiguais num mesmo país. "A nossa maior preocupação é a criminalidade violenta", sublinha ainda o capitão português, dando como exemplo a sofisticação de alguns gangues - sul-africanos, nigerianos e namibianos - que montam verdadeiros sindicatos do crime.
Resta aos sul-africanos ter fé na estatística, que tão madrasta tem sido: os números dizem que, sempre que o país organizou grandes eventos desportivos (Campeonato do Mundo de râguebi, em 1995, e o Campeonato do Mundo de cricket, em 2003, apenas para citar dois exemplos), houve uma quebra no número de crimes. Mas, a menos crimes correspondeu um aumento exponencial de polícias nas ruas.
Por isso, "jump te gun". Até quando?