Boa disposição, descontração e talento, eis os ingredientes que fazem dos The Roots uma banda verdadeiramente viciante em palco. Os norte-americanos regressaram a Portugal para atuar na penúltima noite do festival Sudoeste, onde estiveram 28 mil pessoas.
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Os The Roots eram os cabeças-de-cartaz do penúltimo dia de Sudoeste e ofereceram um dos concertos mais interessantes a que se pôde assistir até agora.
Black Thought - um MC incansável - comanda todas as tropas, puxando pelos músicos e pelos 28 mil que estão na plateia. Em palco, o grupo comunga do mesmo espírito, com sorrisos estampados no rosto, cumplicidades afinadas e um ambiente de "jam session" prazerosa, como se estar ali fosse um exercício de puro gozo para os sete músicos.
Hip-hop refinado com muita soul à mistura, o som dos The Roots é uma viagem sonora que ganha toda uma outra dimensão ao vivo, quando olhamos para os malabarismos que os músicos fazem com os instrumentos. Damon "Tuba Gooding Jr." Bryson, o homem que domina um parente próximo da tuba, faz-nos não querer desviar o olhar das proezas que executa; Questlove domina a bateria sem perder o largo sorriso e Captain Kirk Douglas, guitarra em punho, ajuda a levar a bom porto hora e meia de espetáculo.
O público, como parece estar a tornar-se hábito neste festival, reage a meio gás a tudo o que acontece em palco, e uma versão de "Sweet child o' mine", dos Guns N'Roses, foi das poucas canções a gerar euforia. Mesmo a mais badalada "The seed (2.0)", a caminho do final, não conseguiu fazer milagres. A banda residente do programa televisivo Late Night with Jimmy Fallon foi uma autêntica descarga eléctrica para os sentidos, com ou sem público a colaborar efusivamente.
Apesar de todos já os terem visto ao vivo, ninguém se cansa de vê-los mais uma vez: Xutos e Pontapés. Trinta e três anos de carreira e muitos concertos depois, os históricos do rock luso são aposta segura em qualquer festival.
Neste caso, foi mesmo o único concerto de rock a que se pôde assistir, até à data, no certame e a segunda e última banda portuguesa que este ano pisa o palco nobre da Herdade da Casa Branca - na sexta-feira foi a vez de Richie Campbell. Até os Orelha Negra, que em 2010 atuaram no palco principal, foram recambiados para o Groovebox, às 21 horas, depois de há dois anos terem encerrado uma das noites do festival.
A banda que tem hinos que atravessam várias gerações de portugueses tem a capacidade de pôr milhares aos saltos e a entoar clássicos como "Conta-me histórias", "Homem do leme" ou "Quem é quem". A crítica social também veio a reboque de algumas canções, como "Vossa Excelência" ou "Ai a minha vida", introduzida por Kalu com um "Ai, coelhinho se eu fosse como tu, pegava na troika e enfiava-a no...".
"Chuva dissolvente", "Contentores" e "A minha casinha", as derradeiras, incendiaram a multidão, que pode ter visto um sem fim de concertos de Xutos e Pontapés mas nunca lhes nega o encanto.
Pouco depois de Chapa Dux abrir o palco Meo Reggae Box com letras de paz, intervenção e pedidos de justiça social, a tenda Groovebox viveu um dos grandes momentos do festival - provavelmente o maior. A passagem dos Orelha Negra pela Zambujeira foi um mimo de groove, uma bomba simpática que ali caiu e desencadeou ondas de prazer. E finalmente viu-se aquela tenda cheia de gente.
A formação reúne gente como Sam The Kid ou malta que outrora tocou nos Cool Hipnoise. No palco há pratos de vinil, teclado, bateria, baixo. E projeta-se uma estupenda bofetada sonora que endoidece quem ali está à frente. E assim foi, numa orgia de funk, soul ou jazz que acabou por desentupir o canal auditivo e desenhar sorrisos nas faces.
Da mesma enchente e entusiasmo não gozaram os britânicos The Ting Tings no palco principal. Há disco novo e canções novas, mas nem as antigas parecem despertar o público - pouco, muito pouco - que ali se encontra. Katie White, a metade feminina dos Ting Tings, recorre à técnica da cábula com umas palavras em português - a mesma que Eddie Vedder utilizou na sexta-feira - para expressar a satisfação que sente por estar de volta a estas paragens.
"Great Dj", do disco de estreia do duo, marca o arranque, seguindo-se a incursão por temas novos como "Hung it up" ou "Give it back". A apatia é generalizada e nem o hit "That"s not my name", deixado para o final, aquece o ambiente.
Os porto-riquenhos Calle 13 inauguraram a terceiro dia de concertos na Herdade da Casa Branca, com um reggaeton contagiante, que pôs a dançar as poucas dezenas de pessoas que estavam ali para ouvi-los. Letras cáusticas e repletas de crítica política e social, embrulhadas num ritmo caribenho, foi o que a banda dos irmãos René Pérez Joglar, Ileana Cabra Joglar e Eduardo Cabra Martínez trouxe ao sudoeste alentejano.
"El baile de los pobres", do último trabalho da banda, "Entren Los Que Quieran" (2010), fez as honras de abertura do concerto. René, tronco nu e calças amarelas fluorescentes, é o mestre-de-cerimónias de um banquete instrumental - a banda faz-se acompanhar por sete músicos - pontuado por palavras de ordem e apelos para que o público quebre as regras, desobedeça e entre no espírito dos Calle 13 e da música latino-americana. Escassa, a plateia reage energicamente ao chamamento e aplaude de cada vez que René espingarda contra o sistema ou contra a ditadura da rádio. "Viva Porto Rico livre, os estudantes, a educação", atirou na reta final do espetáculo.
No meio do público, uma bandeira de Porto Rico salta à vista. É de Jesus Gualberto, de 25 anos, um espanhol que veio ao Sudoeste pelo segundo ano consecutivo. Filho de pai porto-riquenho, fez questão de trazer a bandeira para receber os Calle 13. "O concerto foi muito bom", diz Jesus, "só é pena estar pouca gente e a banda ter subido ao palco tão cedo."
A noite na Herdade da Casa Branca terminou ao som de Gorillaz Sound System, um projecto que revisita as canções da banda liderada por Damon Albarn.
Na penumbra, há um DJ, um percussionista e um baterista, escondidos atrás de uma enorme tela onde são projetadas imagens evocativas dos Gorillaz - e não só -, concebidas pelo quarto elemento deste projeto, o responsável pela componente visual. "Clint Eastwood" sopra ao ouvido dos presentes, mas são raros os que mexem as pernas.
*com Cristiano Pereira