O presidente eleito da Câmara do Porto tinha apenas 11 anos quando foi pela primeira vez campeão nacional de vela. Está, por isso, habituado a navegar em águas turbulentas e é, desde tenra idade, um especialista em saber de que lado sopra o vento - e em tirar partido disso para progredir.
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Nos negócios, já demonstrara saber aproveitar o vento, pois, uma dúzia de anos após um investimento de cem contos, vendeu a E.A. Moreira por dois milhões de contos (dez milhões de euros).
Domingo, provou que a sua arte de velejador também dá resultado na política, mesmo quando (pelo menos aparentemente) foi obrigado a navegar à bolina, com vento pela frente.
Rui Moreira, 57 anos, nasceu e cresceu num palacete na Avenida Montevideu, que no entretanto reconverteu em sede da sua empresa, uma broker que se dedica à compra e venda de navios, o que lhe permitiu o pequeno luxo de ter o escritório no primeiro quarto que habitou.
O jeito para a vela herdou-o do pai, homónimo, que além de empresário (ligado à Molaflex, que fabricava colchões de molas em S. João da Madeira) também foi várias vezes campeão nacional e e presidiu ao Clube de Vela Atlântico.
O gosto pelo futebol também lhe foi transmitido pelo pai, que tinha lugar cativo nas Antas e fora colega de Pedroto no D. Manuel II.
Mas as raízes portistas da família mergulham mais fundo no tempo, já que o seu tio bisavô João Nunes (pela parte da mãe Nunes de Almeida) integrava a equipa do F.C. Porto que ganhou os dois primeiros campeonatos nacionais de futebol, nas épocas 1921/22 e 22/23.
Rui foi várias vezes campeão nacional de vaurien e snipe, classe em que atingiu o ponto alto da sua carreira desportiva: um terceiro lugar num Campeonato da Europa.
Do Colégio Alemão
ao curso em Greenwich
A vela não prejudicou uma carreira estudantil que também se desenrolou de velas enfunadas, entre o Colégio Alemão (onde esteve apenas até aos nove anos), o D. Manuel II e o Garcia de Orta.
O 25 de Abril abalou e de que maneira a vida calma e próspera da família Moreira, com Rui a ser despachado para Greenwich, Londres, onde partilhou uma pequeno apartamento com Salvador Guedes (Sogrape) e cursou.
Enquanto Rui era caloiro em Greenwich, a Molaflex foi intervencionada e o pai esteve dez meses preso, entre o QG da Região Militar Norte, Custoias e Caxias.
"O meu pai não só nunca tinha estado ligado ao regime salazarista, como inclusive foi um apoiante da candidatura presidencial oposicionista de Nórton de Matos. Fomos vítimas de uma vingança pessoal da família Corvacho", denuncia Rui Moreira, que curiosamente mantém uma relação de amizade pessoal com o presidente cubano, Raul Castro.
Acabado o curso, como os colchões não o entusiasmavam, resolveu virar-se para o mar, retomando uma tradição de família interrompida pelo pai. Para aprender as artes da navegação, passou oito meses muito divertidos em Oslo (onde tem um afilhado), dois meses em Copenhaga e outros dois em Hamburgo.
Regressado a Portugal, casou e comprou por cem contos (500 euros) uma fatia de 10% da E.A. Moreira (fundada pelo avô), que, acrescentada aos 46% detidos pela família, lhe permitiu assumir a gestão desta agência de navegação.
Quase naufragou quando, em 1983, lhe foi diagnosticado um grave problema renal, que o obrigou a, em 1986, arriscar ir a Inglaterra fazer um transplante, recebendo um rim do irmão.
"Empresas vendem-se
quando estão bem"
"Estive muito doente. Só não morri por acaso e porque tinha um bom capado, pois não fumava nem bebia e estava a habituado a fazer exercício físico", diz Moreira, que enquanto fazia hemodiálise comprou um Porsche 928S: "Andava a precisar de uma coisa para me animar".
Enquanto estava doente e convalescia da operação, não podia velejar, nem fazer outra coisa senão trabalhar, e isso notou-se no crescimento da E.A. Moreira, que transformou na líder do setor.
Em 1992, sem sucessor para dirigir o negócio e com medo que o rim emprestado lhe pregasse uma partida, aceitou uma proposta para vender à Tertir, por dois milhões de contos (cerca de dez milhões de euros), a E. A. Moreira, onde entrara uma dúzia de anos antes. "As empresas vendem-se quando estão bem", teoriza.
Com tempo livre, ainda ensaiou um regresso à vela - breve e não exatamente coroado de sucesso. Encomendou um snipe, mas logo verificou que os problemas de saúde dos anos 80 tinham deixados marcas.
"Quem fez vela de competição, sempre a ganhar ou a andar lá perto, não tem paciência para andar nos últimos lugares", explica Rui, que agora não tem barco. Prefere alugar no local e fazer cruzeiros, nas Caraíbas ou Turquia. "Fica mais barato", diz.
Portista ferrenho e ferrinho, apesar de nem sempre alinhado com as posições oficiais do clube, apesar de doente não faltou às finais de Basileia (em 1984) e de Viena (1987). Já este século, obviamente, não falhou nem Sevilha, nem Gelsenkierchen.
A morte de Pavão, no relvado das Antas, é o momento mais trágico que guarda do quase meio século de vivência que leva entre as Antas e o Dragão. O momento mais alegre foi a vitória caseira sobre o Dínamo de Kiev, na meia-final da Taça dos Clubes Campeões Europeus 86/87, que viu nas Antas, cheias como um ovo. "Foi connosco um governante de Cabo Verde que comentou: 'Está mais gente no estádio do que a que vive na minha ilha", recorda Rui, que é colunista de "A Bola" e se tornou conhecido a defender as cores do Porto no programa "Trio de Ataque".
Em Maio de 2001, foi eleito, com 100% dos votos, presidente da Associação Comercial do Porto (ACP), de que era sócio desde 1978 e onde tem longas raízes familiares: "O meu tio bisavô Fonseca, do Palácio da Brejoeira, contribuiu financeiramente para a construção do Salão Árabe, e um dos meus trisavôs foi vice-presidente da Associação Comercial".
Não enganou ninguém. Disse logo que ia limpar as teias de aranha e abrir as janelas da velha associação, para deixar entrar ar fresco. "Avisei que ia devolver o Palácio da Bolsa à cidade e que a associação não ia ser um clube secreto", lembra. O palácio foi restaurado e tornou-se o lugar mais visitado do Porto, recebendo anualmente mais de 300 mil turistas pagantes.
Mas cedo se tornou óbvio, mesmo à vista desarmada, que a Associação Comercial não era o ponto de chegada, mas apenas mais uma regata na carreira deste navegador solitário, que José Manuel de Mello mandou à merda, por escrito, em carta registada.
A dúvida estava em saber se o salto seria do Palácio da Bolsa para a Câmara (imitando o trajeto de Paulo Vallada), ou para a Torre das Antas. A dúvida foi desfeita (pelo menos para já) a 1 de fevereiro, quando o núcleo inicial dos seus apoiantes divulgou o documento. "Dar o Porto ao manifesto". Mas ninguém ousa garantir que o gabinete que vai herdar de Rio seja o destino final deste velejador exímio em manobrar os ventos a seu favor.
