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Redes sociais também são lugar para fazer campanha. Entre imagens e vídeos, vale tudo para fazer passar a mensagem. Partidos mais pequenos dominam, mas os grandes ainda têm um longo caminho a percorrer.
Com a data das eleições a aproximar-se, a campanha faz-se em todos os terrenos. Além das ações de rua e dos meios de comunicação social, é nas redes sociais que os partidos políticos lutam pela atenção dos eleitores. Mas nem todos o fazem da mesma forma: numa altura em que a informação está à distância de um clique, há partidos que ainda não perceberam o poder que têm nas mãos. Outros, pelo contrário, aproveitam-no para disseminarem as suas ideias e propostas, angariando simpatizantes, na esperança de mais um voto nas urnas.
"É uma ferramenta indispensável para a competição política. Um partido que não tem nenhuma estratégia para as redes sociais é um partido que não está a competir com todos os instrumentos que tem à sua disposição. Fica em desvantagem", explica ao JN João Carvalho, doutorado em Ciência Política.
Os partidos não usam as redes sociais da mesma forma. De acordo com Nelson Zagalo, professor na área dos Novos Media na Universidade de Aveiro, os partidos emergentes recorrem mais às redes sociais por ser mais acessível a nível financeiro.
"O que a teoria da Ciência Política diz é que os pequenos partidos utilizam as redes sociais para competir eleitoralmente com os grandes partidos que têm muitos recursos", concorda João Carvalho. "As redes sociais têm baixos custos de utilização e uma elevada disseminação, o que permite contrariar o poder dos grandes gatekeepers, que são os mainstream media, que decidem quais são os conteúdos que são disseminados através dos grandes meios de comunicação. Nas redes sociais, conseguem disseminar as suas propostas, discursos e slogans. Com baixos custos, conseguem que um post se torne viral e que tenha milhares de visualizações".
Nelson Zagalo sublinha, por outro lado, que também se gasta muito dinheiro nas redes sociais. "As redes sociais funcionam se estivermos todos os dias a investir. Aquilo não funciona per si. É preciso olhar para as redes sociais como se olha para spots publicitários em televisão ou em revistas", afirma.
Partidos mais pequenos ganham relevância online
Na arena das redes sociais, o Chega é rei. Segundo João Carvalho, é o partido que "mais habilmente trabalha as redes sociais, o que estará relacionado com o estilo de comunicação que utiliza: o estilo populista". "As próprias redes sociais favorecem essa personalização do estilo político que o André Ventura adota. O estilo de comunicação de indignação e de proximidade acaba por ser atrativo para um grande segmento da população, cujos conteúdos não seriam facilmente disseminados nos meios de comunicação social tradicionais", acrescenta.
Neste caso, os números valem mais do que mil palavras. O partido de André Ventura é o partido com mais seguidores no Facebook (190 mil) e Instagram (157 mil). No TikTok (20 mil) é apenas ultrapassado pelo Bloco de Esquerda (31,9 mil). Já no X (antigo Twitter), salta para quarto lugar, uma vez que o pódio pertence à Iniciativa Liberal (78,6 mil), PSD (69,5 mil) e PS (62,5 mil).
O domínio do Chega é mais distinto quando se olha para as redes sociais do presidente do partido, André Ventura, que é, de longe, o líder partidário com mais seguidores nas redes sociais, reunindo mais de 300 mil seguidores do Facebook e no Instagram, mais de 200 mil no Tiktok e mais de 140 mil no X.
"Têm realmente um plano de comunicação montado e estruturado. Têm um conjunto múltiplo de pessoas que rodam à volta do líder, não é apenas o líder que está a fazer campanha nas redes. Não têm paralelo com mais nenhum outro partido. Não há nenhum partido a ter o alcance em termos de comunicação que eles têm", assinala Nelson Zagalo.
Segundo a coordenadora do gabinete de comunicação do Chega, Patrícia Carvalho, "as redes sociais foram uma necessidade, uma vez que os órgãos de comunicação social mainstream se recusavam a comunicar o trabalho feito pelo partido na Assembleia da República". Através da aposta nas redes sociais, o partido percebeu que "as pessoas gostam, e em certa medida preferem, de uma comunicação direta com o partido". Para o Chega, esta comunicação direta de temas na ordem do dia e de propostas do partido são uma "mais-valia".
Os especialistas salientam a elevada taxa de interação nas redes sociais do Chega. Para Nelson Zagalo, o "discurso altamente encenado que parece uma coisa normal e improvisada consegue chegar às pessoas com uma eficácia enorme".
Segundo Nelson Zagalo, é necessário ter pessoas ativas nas redes sociais a impulsionar os conteúdos. "Isso é um trabalho concertado que o Chega de certeza que aprendeu com os outros partidos de extrema-direita europeus", especifica.
Os especialistas destacam ainda o trabalho da Iniciativa Liberal nas redes sociais: "Tem uma forte presença e consegue um grande nível de interação", diz João Carvalho. Já Nelson Zagalo argumenta que o partido liderado por Rui Rocha "tem contestado alguma coisa, mas de uma forma polida", sendo ultrapassada pelo "discurso de interpelação muito direto à pessoalidade e ao diálogo" do Chega.
No passado mês de janeiro, o partido liderado por Rui Rocha aproveitou a polémica campanha publicitária do IKEA, na qual a empresa sueca promovia uma estante com a descrição "Boa para guardar livros. Ou 75.800 euros", numa clara referência à quantia encontrada no escritório de Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa na altura das buscas da Operação Influencer. A Iniciativa Liberal entrou na onda e partilhou uma imagem com três estantes, uma dedicada ao PS, outra ao Chega e uma terceira ao PSD.
Partidos grandes "alheados da realidade"
Segundo o gabinete de comunicação do PS, o partido "tem procurado aprofundar a difusão das suas mensagens e chegar a todas as audiências" e a sua presença nas redes sociais "enquadra-se numa estratégia de expansão e modernização".
No entanto, João Carvalho nota que o número de posts dos partidos estabelecidos é "bastante elevado, mas não conseguem ter muita interação", uma vez que muitas das publicações são promoção de eventos internos dos partidos, havendo menos disseminação de vídeos e de propostas políticas.
Para Nelson Zagalo, por outro lado, é "injusto" para os partidos maiores porque "não podem ousar ter uma comunicação tão emocional como tem um partido popular como o Chega". "É um risco porque essa comunicação não é bem vista pela maior parte do eleitorado. Correria o risco de perder votos", explica, acrescentando que, ainda assim, há um "alheamento e uma ingenuidade" por parte dos grandes partidos em relação às redes sociais: "Parece que o PS e o PSD estão a comunicar nas eleições de 1975. É a televisão, é ir às feiras e pronto. Chega-lhes porque eles acreditam que o eleitorado os vai ouvir assim. Mas não ouve porque as pessoas veem muito menos televisão. O público jovem não vê televisão. O mais impressionante é que eles estão a esquecer-se que cerca de 90% do público português acede às redes sociais".
O especialista critica a ideia do "político estatista que vivia lá na Torre de Marfim" e defende que os partidos devem aproximar-se das pessoas. "Tem de se construir um meio caminho entre esse discurso próximo e o discurso articulado e estruturado. Tem de haver um misto das duas coisas. As pessoas não podem sentir que estão à distância das pessoas em quem vão votar. Já não estamos no século XX. As pessoas querem votar nas pessoas com quem se identificam, que pensam como elas, que vivem as coisas como elas", continua Nelson Zagalo. "Os partidos têm até uma obrigatoriedade de ter um papel muito mais ativo a nível das redes, de passar a mensagem de credibilidade das instituições e não criar esta distância".
Contacto direto com o eleitorado
Além de serem, de forma geral, uma forma mais barata de comunicação, as redes sociais permitem "chegar com maior facilidade ao eleitorado" e "mobilizá-lo para manifestações para espalhar a sua mensagem", explica Rafael Oliveira, licenciado em Ciência Política.
De acordo com o deputado do Bloco de Esquerda (BE) Fabian Figueiredo, que é responsável pela comunicação do partido, as redes sociais são um "veículo de contacto" e de "divulgação das propostas e iniciativas". "Nós contactamos diretamente com centenas de pessoas que nos enviam mensagens, fazem comentários. Procuramos sempre responder a toda a gente que nos coloca dúvidas, que nos faz propostas, que nos dá sugestões sobre a nossa ação. O BE tem um site onde as pessoas se podem juntar ao partido e há pessoas que se juntam através do contacto com redes sociais", exemplifica.
Segundo diz fonte do Livre ao JN, o pouco acesso à imprensa torna as redes sociais "extremamente importantes" para comunicar a mensagem do partido. Já o PCP, por seu lado, diz não prescindir de nenhum meio "para mobilizar forças e despertar consciências", mas vê as redes sociais como algo "complementar", que não substitui o "contacto direto". "Não prescindimos de estar lado a lado com os trabalhadores e o povo", afirma fonte do partido.
Redes sociais podem ter efeito de "câmara de eco"
No seu lado negro, as redes sociais podem ter um efeito de "câmara de eco". "As pessoas que se revejam num determinado discurso, acabam por assistir ao canal que transmite esse discurso e a sua utilização vai reforçar a perceção. Não existindo contraditório, o sentimento de grupo vai crescendo e acabam por criar uma imunidade ao discurso dos outros partidos. Através destes canais, não estão expostas às propostas dos outros", explica João Carvalho. Rafael Oliveira acrescenta que a informação partilhada é "sempre enviesada a favor do partido". "Partilhar sempre a mesma informação favorável a ti e ao teu grupo de seguidores faz com que os teus seguidores sintam que toda a informação do outro lado seja errada", reforça.
Isto também facilita a disseminação de fake news. Segundo um relatório da MediaLab do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), divulgado pela agência Lusa, foram identificados pelo menos quatro casos desinformativos relacionados com as eleições legislativas, sendo dois deles publicados por dirigentes de partidos.
No primeiro caso, o deputado e dirigente do Chega Pedro Frazão publicou no X, em 22 de janeiro, um gráfico que alegadamente comprovaria a substituição populacional em curso em Portugal, nove dias depois de André Ventura ter afirmado que 30% da população em Braga seria imigrante. Porém, esta informação foi considerada falsa.
No segundo caso, uma publicação da coordenadora do BE, Mariana Mortágua, no X em 1 de fevereiro sobre a privatização da EDP por parte do governo PSD foi considerada uma informação descontextualizada, dado que esse processo foi distribuído por várias fases e ficou a cargo de vários governos entre 1997 e 2013, sendo o último o de Pedro Passos Coelho (PSD/CDS).
Por sua vez, Nelson Zagalo enfatiza que as redes sociais são um "meio muito mais fluído e mais difícil de dominar". "Quem comunica não tem o domínio completo da comunicação. E isso coloca muito mais em risco aquilo que se está a fazer. É preciso ter estratégias e modos de lidar com crises de comunicação. É preciso ter isso tudo montado", diz, acrescentanto, no entanto, que "neste momento o risco de não estar lá é maior do que o risco de estar lá e de haver pequenos problemas aqui e acolá".
Criam "base de lealdade"
Os especialistas concordam que ter uma forte comunicação nas redes sociais é essencial para os partidos políticos, mas cada um deve construir a sua própria estratégia conforme os seus discursos e através de conteúdos atrativos. "Será aconselhável que os partidos procurem todas as formas disponíveis para disseminarem os seus conteúdos políticos e não deixarem esse espaço a um só partido", refere João Carvalho.
Não há uma receita perfeita para todos, acrescenta Nelson Zagalo. "A estratégia é muito dependente de pessoas, de seres humanos. E eles têm que vincar a sua pessoalidade na própria estratégia comunicativa", diz. "Não chega pôr lá um conteúdo e esperar que ele funcione por si. É preciso criar conteúdos adequados à rede em questão, quer dizer, não se comunica da mesma maneira no Facebook, no TikTok , no Twitter ou no Instagram. É preciso ter equipas a trabalhar nisso".
Esta é uma preocupação da equipa de comunicação do BE, que normalmente é composta por três pessoas e foi reforçada para a campanha eleitoral com mais duas contratações. "Nós adotamos uma linguagem que contém muito mais ilustração gráfica no caso do Instagram. No caso do Facebook, a comunicação é sempre mais institucional, geralmente acompanhada de textos mais longos. No Twitter, falamos de textos mais curtos por força das regras da plataforma e de vídeos mais curtos e imagens. No YouTube, privilegiamos a publicação de vídeos mais longos, como a apresentação do programa do BE e as contas do programa do BE", explica o deputado bloquista Fabian Figueiredo.
Ainda que não seja possível converter o número de seguidores diretamente para número de votos no dia de ir às urnas, as redes sociais ajudam a estabelecer uma "base de lealdade do eleitorado perante o líder", remata João Carvalho.