Cerca de dois mil universitários marcham, esta quinta-feira, pelas ruas de Lisboa, contra os altos preços da habitação, a falta de apoios e de representatividade juvenil e as propinas, num protesto que antecede o Dia Nacional do Estudante.
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Estudam em diferentes cidades e faculdades, mas confrontam-se com os mesmos problemas diariamente. As reivindicações comuns da academia uniram esta tarde centenas de estudantes universitários de Lisboa, Coimbra, Faro, Aveiro e Porto nas ruas da capital, em luta por um ensino e habitação acessíveis e mais ação social. No domingo assinala-se mais um Dia Nacional do Estudante e no ano em que se celembram 50 anos do 25 de Abril os estudantes prometem fazer barulho pelo futuro do Ensino Superior em Portugal.
A procura de um quarto a preços que as carteiras das famílias consigam suportar é um problema que se repete todos os anos e começa, muitas vezes, meses antes de serem conhecidas as colocações no Ensino Superior. Os preços "elevadíssimos" das rendas e a "loucura" para conseguir alojamento fizeram Cecília Carvalho, estudante deslocada, pensar duas vezes se conseguiria estudar na capital. Neste momento, a jovem de 20 anos, natural de Viseu, paga mais de 500 euros mensais por um quarto. Lamenta que Portugal não consiga acompanhar as condições dadas aos estudantes noutros países europeus em que "não se pagam propinas e há residências públicas" e alojamento "a preços acessíveis e com condições dignas". "O Ensino Superior não deveria ser um privilégio, mas sim um direito", lançou.
Nicole e Inês, as duas trajadas e com cravos ao peito, vieram juntas à manifestação devido à falta de apoios. As duas estudantes do ISCTE querem prosseguir para o mestrado, mas as "propinas mais elevadas" preocupam-nas. "Já estamos no último ano da licenciatura, por isso estamos naquela fase em que nos temos de começar a candidarar. Não há um teto máximo para as propinas. Além disso há um preço elevado para fazer a candidatura e ainda temos de pagar por qualquer folhinha de papel que seja necessária", afirmou Nicole.
Por seu turno, Inês defende que "é preciso haver mais psicólogos nas faculdades", sublinhando que embora existam acordos com clínicas privadas nem sempre os estudantes conseguem suportar os preços praticados. Os "exempos do passado" fazem com que as jovens não têm muitas esperanças de que o novo Governo responda aos problemas dos universitários. "A propina apareceu justamente com a direita no Governo, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro, e teve o seu auge num Governo do PSD, então preocupa-nos termos novamente a direita no poder".
A manifestação nacional de estudantes arrancou depois de largas centenas de universitários, muitos com o traje académico vestido, acompanhados com cartazes e faixas, se começarem a concentrar na Praça do Rossio. Quase duas horas depois do previsto, os manifestantes subiram a passo lento a Rua do Carmo com destino à Assembleia da República. Na escadaria da casa da democracia estão previstas algumas intervenções sobre os problemas que os estudantes enfrentam ano após ano.
O protesto estudantil- que surge depois das eleições legislativas antecipadas de 10 de março - foi organizado pela Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (AEFCSH) da Universidade Nova de Lisboa, e surgiu inicialmente do apelo “Queremos Mais Abril Aqui”, que acabou por ser subscrito pelas associações académicas que integram o Conselho das Associações Académicas Portuguesas (CAAP), a Federação Académica de Lisboa (FAL) e a Associação Académica de Coimbra (AAC).
“É prova clara de que quando nós nos unimos e temos esta capacidade de mostrar a unidade, as coisas mudam efetivamente. Há maior expressão a esta luta estudantil que é tão justa e que nós devemos continuar a levar para a frente”, afirmou ao JN Guilherme Vaz, presidente da AEFCSH. O estudante espera que esta seja “uma das maiores manifestações estudantis dos últimos anos”.
De Coimbra chegaram à capital cerca de 250 estudantes em quatro autocarros com o mote "Teto e Habitação, um direito à Educação". "Este é momento ideal para solicitarmos aos novos 230 deputados que agora vão tomar posse da Assembleia da República que coloquem no topo das suas prioridades políticas, não só o Ensino Superior, mas também a habitação", explicou, ao JN, Renato Duarte, presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC). Este tema é, "sem sombra dúvida, uma das maiores problemáticas que assola não só os estudantes, mas a nossa geração na globalidade”, defendeu o dirigente associativo.
Renato Duarte espera este movimento possa alavancar o cumprimento do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES). "A principal reivindicação é que os fundos do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], vindos da Europa, sejam devidamente colocados no PNAES para que se possa conferir com as 18 mil camas [em residências públicas] prometidas até 2026. Neste momento há cerca de 300 terminadas. Há um longo caminho ainda a percorrer".
Embora a Federação Académica do Porto (FAP) tenha optado por assinalar a data na cidade invicta, cerca de uma centena de estudantes participam na marcha em Lisboa, organizados em autocarros por associações de estudantes de três faculdades da Universidade do Porto. Inês Pereira da direção da Associação de Estudantes da Faculdade de Belas Artes (AEFBUL) crê que este momento é um momento importante para os estudantes passarem "uma mensagem forte o próximo Governo".
"A falta de alojamento estudantil é, neste momento, o maior entrave ao ensino. Há uma grande desproporcionalidade entre o número de estudantes deslocados e o número de camas públicas, que acaba por corresponder quase a 7,5 estudantes por cama", sublinhou a jovem de 20 anos. No Porto, além dos preços altos, a Inês Pereira nota que a oferta de quartos para estudantes tem reduzido. "Tem deixado de haver oferta para estudantes porque interessa muito mais aos senhorios outro tipo de negócio, isto é, quartos que antes se destinavam a estudantes viram-se para o turismo e o alojamento local". A jovem nota ainda que a faculdade onde estuda é exemplo da falta de investimento. "Temos infraestruturas muito degradadas. Deveria existir um modelo financeiro que deixe de depender de nós e das nossas famílias com o pagamento das propinas e que nos traga as condições de que precisamos".
"Bolsas sim, propinas não” e “Ação social não existe em Portugal” foram algumas das palavras de ordem que os estudantes gritaram. Num protesto ruidoso com tambores, pandeiretas e assobios, saltavam com animação ao som de um dos cânticos mais antigos da luta estudantil e várias vezes repetido durante a marcha: "A propina dói, a propina dói”. A quase um mês do cinquentenário da revolução, os jovens não deixaram de gritar também pela liberdade e a democracia, com cravos ao peito e nas mãos. Ainda no começo da marcha, um grupo de manifestantes lançou da ponte de acesso ao Elevador de Santa Justa uma faixa onde se lê "Abril é futuro", enquanto os restantes olhavam para cima e gritavam "25 de abril sempre, fascismo nunca mais".