
Ucranianos esconderam-se em estações de metro durante a noite
AFP
Fortes explosões na zona Oeste da capital ucraniana e alarme nuclear em Chernobyl. Invasão russa ditou fuga de 50 mil ucranianos, número que pode subir até aos cinco milhões.
As tropas russas, cada vez mais perto do centro de Kiev, apertam o cerco à capital ucraniana, alvo de vários bombardeamentos, que entraram pela madrugada dentro. Em menos de 48 horas de conflito, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 50 mil refugiados já tenham deixado o país, número que pode atingir uns dramáticos cinco milhões, caso o conflito continue a alastrar. No meio de muitos exemplos do horror da guerra, e outros tantos atos de heroísmo, ainda há uma pequena esperança de que a via diplomática possa calar as armas, mas já depois da uma da manhã local (23 horas em Portugal), o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, admitiu esperar "a noite mais difícil". "O inimigo vem com tudo, mas devemos resistir e não podemos perder a capital", pediu.
"As tropas russas estão perto. Cada vez mais perto. Ouvimos cinco explosões, separadas de três em três minutos". Estas palavras são de Vitali Klitschko, presidente da Câmara de Kiev, que recorreu ao Twitter, ao cair da noite na Ucrânia, para amplificar a aproximação do exército de Vladimir Putin. O alvo foi a central termoelétrica de Tryeshchyna, na zona Oeste de Kiev, e apenas o estrondo dos mísseis russos abafou o constante metralhar das armas ligeiras que se faziam ouvir nas batalhas, quase cara a cara, ocorridas nos arredores da capital.
O cenário foi idêntico em muitas outras cidades ucranianas - na segunda maior, Kharkiv, registaram-se fortes explosões -, mas o alvo principal da investida russa era mesmo Kiev, onde as sirenes de ataque aéreo se repetiram ao longo de todo o dia e entraram pela noite dentro. Com milhares de refugiados em fuga para a zona Oeste e para os países vizinhos, em comboios sobrelotados e onde a prioridade era dada a mulheres e crianças, quem decidiu ficar não teve outra hipótese que não procurar abrigo nas estações de metro e nas caves de prédios. No meio do drama, os apelos à resolução do conflito multiplicam-se e até motivaram uma ação sem precedentes do líder da Igreja Católica. O Papa Francisco visitou a embaixada russa no Vaticano para expressar, pessoalmente, a preocupação com o conflito, mais ou menos à mesma hora em que os presidentes dos dois países davam um efémero sinal de paz.
Diplomacia antes das ameaças
De manhã, numa mensagem televisiva, Zelensky falou diretamente para Putin. "Quero dirigir-me mais uma vez ao presidente da Rússia. Em todo o território da Ucrânia, há combates. Vamos sentar-nos à mesa das negociações para acabar com a morte de seres humanos", pediu, enquanto do lado do Kremlin o porta-voz da Presidência fez saber que o líder russo está disponível para enviar uma delegação a Minsk, na Bielorrússia, um dos aliados de Moscovo e de onde saíram muitos dos tanques que invadiram a Ucrânia. A localização da reunião não parece inocente e, durante a tarde, foi o próprio Putin a deixar um pouco mais clara a posição da Rússia neste conflito, numa mensagem televisiva dirigida ao exército ucraniano: "Tomem o poder nas vossas mãos. Parece-me que será mais fácil negociar entre mim e vocês do que com os terroristas que usam civis como escudos humanos", disse o presidente russo, antes de chamar ao homólogo ucraniano e aos seus ministros "uma panelinha de viciados em drogas e neonazis".
Entre o jogo de palavras a roçar a esquizofrenia - ao final da noite, a Imprensa internacional falava de conversações entre as partes para decidir o local de uma possível cimeira de paz -, não falta a desinformação tão típica dos cenários de guerra. Responsáveis ucranianos alertaram que a radiação na antiga central nuclear de Chernobyl (conquistada na véspera pelos russos) atingira níveis preocupantes e que os trabalhadores tinham sido feito reféns. Os russos negaram e garantiram que as pessoas estão a trabalhar.
As ameaças do Kremlin estenderam-se, durante a tarde, à Finlândia e à Suécia, com Moscovo a prometer retaliar se qualquer um dos países decidir aderir à NATO.
"navio de guerra: vá-se f****"
Enquanto o Governo ucraniano já armou mais de 18 mil civis e a televisão ensina a fazer cocktails molotov, deixando adivinhar uma guerrilha urbana, 13 guardas morreram a defender a ilha das Serpentes, no mar Negro. "Este é um navio de guerra militar russo. Sugiro que baixem as armas e se rendam para evitar derrame de sangue. Caso contrário, serão bombardeados", pôde ouvir-se na comunicação rádio feita para a ilha. Um curto silêncio depois, a resposta: "Navio de guerra russo, vá-se f****", foram as últimas palavras dos militares que defendiam o pedaço de terreno a 300 quilómetros da Crimeia. Vão ser agraciados, a título póstumo, como "Heróis da Ucrânia".
Momentos mais marcantes
Abertura ao diálogo
O dia começou com o apelo do presidente da Ucrânia à Rússia para se sentarem à mesa das negociações. O Kremlin mostrou-se disponível, desde que as mesmas sejam em Minsk, capital da aliada Bielorrússia.
Novas sanções à vista
Os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia decidiram aplicar mais sanções à Rússia, nomeadamente a Vladimir Putin e a Sergei Lavrov. Em cima da mesa está a possibilidade de excluir o país do Sistema Internacional de Transações Financeiras (SWIFT).
Um aviso muito sério à Finlândia e Suécia
A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, foi clara sobre a posição da Rússia em relação aos países vizinhos. "É óbvio que a entrada da Finlândia e da Suécia na NATO, que é antes de mais um bloco militar, teria graves consequências políticas e militares, o que exigirá uma resposta do nosso país", disse.
A noite mais longa de Kiev
Foi o próprio presidente Volodymyr Zelensky que o disse, já depois da uma da manhã, na Ucrânia: "Esta noite será a mais difícil. O inimigo vem com tudo. Devemos resistir. A noite será muito difícil e atenção especial a Kiev: não podemos perder a capital. O inimigo vai lançar um ataque: o destino da Ucrânia está a ser decidido agora".

