Se se lhe descontar o tempo em que permanecerá em funções interinamente, até às eleições antecipadas para 25 de setembro próximo e à instalação do novo Governo, Mario Draghi, que acaba de renunciar ao cargo de primeiro-ministro de Itália, não fez, afinal, nada que o distinga da duração ponderada dos 44 pares que o precederam nos 69 governos da história republicana da Itália.
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"Super Mario" manteve-se 508 dias no cargo e até superou em seis dias a longevidade média dos presidentes do "Consiglio dei Ministri". Seria só a evidência estatística de mais uma efémera legislatura da longa tradição dos cenáculos romanos se, desta vez, não se lhe temesse o efeito dominó da crise política que favorece todas as derivas e extremismos, da própria "bota", cardada pelos Fratelli d"Italia, a toda a Europa, que ressuscita velhos fantasmas.
Nesta ronda nada exaustiva pelas crises e instabilidades políticas na União Europeia, o eletrochoque italiano da última semana só veio relembrar a regra vigente: entre os 27 governos dos países que compõem o reino de Bruxelas, apenas cinco dispõem de maioria absoluta. Deste quinteto fazem parte Portugal (socialista), a Grécia (centro-direita), Malta (centro-esquerda), a Polónia (direita nacionalista) e a Hungria, de Viktor Orban, que não é propriamente um defensor dos ideais de Jean Monnet ou dos desígnios fundadores do Tratado de Roma (1958), que fizeram a força unificadora da Europa.
Geringonças
Por todos os outros 21 países predominam coligações entre vários partidos, quantas delas alternativas engenhosas, como já sucedeu com a "geringonça" portuguesa, ou governos minoritários, de um só partido. Entre as coligações, destacava-se a federada por Draghi, da esquerda à direita radical, e também ressalta a tradicional "GroKo" ("Grosse Koalition") alemã, da grande aliança direita-esquerda, agora tranformada em coligação tripartida, entre sociais-democratas, verdes e liberais.
Na Alemanha, o Governo liderado por Olaf Scholz é só mais um exemplo deste longo ritual de conciliações germânicas, cultivadas e mantidas desde o choque traumático do III Reich e da derrocada do sistema parlamentar em vigor até 1933. Desde então, desde o pós-guerra, as instituições alemãs foram alicerçadas na ótica de um sistema presidencial forte, para fazer face a qualquer tentação de retono aos extremismos. O mesmo sucedeu em Itália, após vinte anos de fascismo.
Daí a ressalva das coligações como exercício democrático. A Bélgica (aliança de sete partidos...), a Áustria, a Eslovénia, a Finlândia, a Irlanda, o Luxemburgo, os Países Baixos e a República Checa são também governadas por estas engrenagens de equilíbrios e de interesses. E também a Espanha, onde o socialista Pedro Sánchez governa com o Podemos (esquerda).
Entre os governos com apoios minoritários estão Chipre, Dinamarca e Suécia, que têm primeiros-ministros sociais-democratas, quase em gestão corrente.
Negociação permanente
Deste cenário de fraturas políticas ressalta outra evidência: a quase totalidade dos países europeus são governados em regimes parlamentares (entre os 27, há quatro governos dirigidos por presidentes e 23 liderados por primeiros-ministros).
Os sistemas de propocionalidade parlamentar desenvolveram estas mecânicas de diversidade e, sobretudo, de compromisso e de negociação permanente. E se a rarefação das maiorias também cria dificuldades, como acaba de se ver em Itália, noutros países, menos traquejados nestas transições rápidas da política, gera ainda mais problemas, como se viu no impasse que praticamente bloqueou a Espanha, entre 2015 e 2020.
O reino de duas democracias
Se a Itália até faz gala da instabilidade política, a Bélgica leva o caso ao extremo. O reino já detinha o recorde de país com mais tempo sem governo (589 dias, entre 2010 e 2011), mas ainda lhe somou mais 72 horas, para fixar o maior vazio governativo em 591 dias, entre 21 de dezembro de 2018 e 3 de agosto de 2020. Nada, contudo, que tenha afetado grandemente o quotidiano dos belgas, num país fortemente descentralizado e com duas democracias quase autónomas, a da Flandres, nerlandófona e dirigida por independentistas de extrema-direita, e a Valónia, cada vez mais ancorada na esquerda e comprometida com a união do reino.
Pormenores
Casa e descasa
Já no Governo anterior ao de Draghi, liderado por Giuseppe Conte, o casamento da Liga com o Movimento Cinco Estrelas durou pouco. Os dois partidos populistas estiveram juntos 445 dias.
A duração dos vizinhos
A imprensa italiana deu-se ao trabalho de calcular a longevidade média dos governos dos vizinhos. Para que conste: França, 1856 dias; Alemanha, 2266; Espanha, 2722; Reino Unido (até Boris), 4694.