O Governo britânico anunciou um projeto de lei para impedir a entrada de migrantes ilegais no Reino Unido. Conhecida por "parar os barcos", a medida bordeja o limite das leis internacionais e está a ser contestada pela oposição e por associações de direitos humanos.
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A secretária do Interior do Reino Unido, Suella Braverman, o equivalente ao ministro dos Negócios Estrangeiros, em Portugal, apresentou, esta terça-feira, a "Lei Imigração Ilegal", no parlamento. A legislação, conhecida popularmente como "stop the boats - parar os barcos", pretende impedir a chegada de embarcações às costas britânicas com imigrantes ilegais, especialmente pelo canal da Mancha, através do qual 45 mil pessoas entraram ao Reino Unido em 2022.
"Isto tem de parar. Ao apresentar nova legislação, estou a deixar perfeitamente claro que a única rota para o Reino Unido é um caminho seguro e legal. Se vierem para aqui ilegais não vão poder pedir asilo ou construir uma vida", argumentou Suella Braverman. "Vai acabar com o incentivo para as pessoas arriscarem a vida através destas perigosas e desnecessárias viagens, tirando, de uma vez por todas, o tapete aos grupos criminosos que lucram com esta miséria", argumenta o governo britânico.
A legislação proposta permite a detenção de migrantes ilegais sem fiança ou audiência judicial, nos primeiros 28 dias da detenção, até que possam ser removidos. Quaisquer pedidos de asilo serão ouvidos remotamente após a expulsão. "Se entrarem na Grã-Bretanha ilegalmente, serão detidos e rapidamente removidos, de volta ao país de origem, se for seguro, ou para um país terceiro considerado seguro, como o Ruanda", explicou Suella Braverman. "Isto é exatamente o que esta lei vai fazer, é assim que vai travar os barcos", acrescentou a secretária do Interior.
Repatriados ou enviados para o Ruanda
O Reino Unido tem um acordo com o Ruanda, muito contestado, para deportar requerentes de asilo. Até agora não foi posto em prática, com os advogados de direitos humanos a vencerem todos os processos em tribunal. Luke Pollard, do Partido Trabalhista, perguntou se os pretendentes de asilo LGBT poderiam ser enviados para os países de origem, onde seriam perseguidos, ou para o Ruanda, no qual, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico, há discriminação sexual. Braverman, que respondeu a perguntas durante quase duas horas, ignorou a questão e disse apenas que se as pessoas pedem asilo de um país considerado seguro não deveriam ir para o Reino Unido.
"Não é exequível, é caro e não vai parar os barcos", comentou Enver Solomon, presidente do Conselho de Refugiados. A instituição critica a medida proposta por Braverman, considerado que destrói o histórico compromisso do Reino Unido, ao abrigo das convenções das Nações Unidas, de dar às pessoas uma audiência justa, independentemente da forma como chegam ao país.
A diretora da organização internacional de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) para o Reino Unido, Yasmine Ahmed, disse, à Lusa, que a proposta é "ilegal, impraticável e totalmente desumana". A nova legislação irá "punir pessoas que fogem da perseguição e opressão em países como o Irão, o Afeganistão e a Síria, simplesmente por exercerem o seu direito humano de procurar refúgio", acrescentou.
"É mais um exemplo de como a Inglaterra vira as costas aos mais vulneráveis. Procurar asilo não é crime e aqueles que são forçados a deixar as suas casas merecem compaixão, dignidade e o direito a um tratamento justo", comentou Katy Chakrabortty, dirigente da organização mundial de combate à pobreza e à injustiça social, Oxfam, em Inglaterra. "Conflito e perseguição não existem apenas nos países que o Reino Unido considera merecedores do esquema de vistos", acrescentou.
"A lei não vai impedir os pequenos barcos de atravessar o canal. Vai apenas acrescentar trauma às pessoas desses barcos, prejudicando ainda mais a reputação britânica de justiça e compaixão", argumentou Laura Kyrke-Smith, diretora-executiva da filial britânica do Comité Internacional de Salvamento, em declarações ao jornal "The Guardian".
A deputada dos Trabalhistas, Yvette Cooper, considera que a legislação proposta "arrisca aumentar o caos" em vez de resolver o problema. "Precisamos de uma ação séria para travar as perigosas travessias dos barcos, que deixam vidas em risco e minam a segurança fronteiriça. Em vez disso, a declaração de hoje é apenas mais do mesmo", acrescentou.
A proposta de lei apresentada esta terça-feira no parlamento deverá demorar vários meses até ser promulgada e posta em prática. Este projeto de lei é uma das cinco promessas feitas por Rishi Sunak, quando assumiu o cargo de primeiro-ministro.
"Os britânicos esperam, com razão, que o Governo resolva esta crise e é isto que eu e o primeiro-ministro pretendemos cumprir na íntegra. Temos de parar os barcos", disse Braverman. "Não se iludam. Se chegarem aqui de forma ilegal, não vão poder ficar", disse o primeiro-ministro Rishi Sunak, em declarações ao jornal "Mail on Sunday", no domingo, antecipando a apresentação da legislação.
O Governo britânico tem estado sobre pressão para reduzir a imigração irregular, considerada uma das principais preocupações do eleitorado conservador. Manifestantes, alguns alinhados com grupos de extrema-direita, têm protestado junto de alguns dos locais onde os candidatos a asilo estão alojados, mas o deputado conservador John Stevenson pediu, no Parlamento, uma moratória sobre o uso de hotéis para requerentes de asilo. A ministra serenou o colega de partido, alertando que o Ministério do Interior está obrigado legalmente, pelas leis em vigor, a providenciar acomodação aos requerentes de asilo.