Aceredo, povoado galego submerso com a construção da barragem do Alto do Lindoso, ficou a descoberto e atrai centenas de visitantes.
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"Olhe, desculpe, para ir ver a aldeia, dá para ir com um carrinho de bebé?". Um pai português aborda a equipa de reportagem do "Jornal de Notícias" numa zona de estacionamento improvisada no cimo do caminho de terra batida que leva a Aceredo, o povoado galego submerso há 30 anos, após a construção da barragem do Alto Lindoso, e que a seca deixou à vista nos últimos meses. "Vale a pena? Não fazia milhares de quilómetros para ver", pergunta ainda, contando que foi de Ponte de Lima e que levou os dois filhos ainda crianças. Enquanto fala, um casal de portugueses chega e um grupo de motards troca impressões sobre a aldeia na beira da estrada.
Tem sido assim, dia após dia. Visitantes da Galiza e de Portugal, têm levado de novo vida à velha aldeia que o rio Lima encobriu em 1992 de forma súbita, após resistência até à última dos antigos habitantes. Observa-os, sentado ao volante da sua autocaravana, Eduardo Barros, que veio de manhã de propósito de Amares, distrito de Braga. "Um colega veio cá no domingo e disse-me que isto era muito bonito, muito bonito, mas para mim não é nada bonito. Pensei que era outra coisa. É um deserto", diz.
Aceredo ficou debaixo de água com as casas completamente intactas. Hoje, as paredes ainda estão de pé, mas agora praticamente todas já cobertas com inscrições dos curiosos que não param de chegar e ali querem deixar a sua marca. Escrevem nomes, data da visita, terras de onde são e até símbolos românticos. Numa das paredes encardidas das antigas habitações, algumas ainda com telhado e janelas com os vidros, foi desenhado um grande coração com os nomes "Óscar y Mayte" dentro.
Povoado de ninguém
O rasto da mole de turistas também se nota pelo lixo deixado no chão. Principalmente máscaras da pandemia descartadas. Também tem havido relatos de pequenos incidentes no local. A curiosidade leva as pessoas a invadir as construções em ruína. O povoado encontra-se em território de Lobios e Entrimo e os alcaldes dos dois concelhos galegos descartam responsabilidades.
"A situação acontece há uns meses e é preocupante, tanto pelo aspeto da segurança, como pelo esvaziamento intensivo da barragem. Quanto à segurança já manifestamos por escrito à empresa que explora a barragem que a responsabilidade é absolutamente do proprietário desses terrenos. No caso é a própria EDP a titular de todos os terrenos submergidos", disse ao JN a presidente da câmara de Lobios, Maria del Carmen Salgado, comentando quanto a eventuais incidentes que possam suceder no local que "tem de imperar o bom senso". "Quando se visita um sítio, ainda por cima com ruínas que estiveram 30 anos debaixo de água, se alguém sobe a alguma estrutura ou entra nas casas, claro que é perigoso. Tem de haver bom senso, mas insisto, não é da nossa responsabilidade", acrescentou, referindo que esta posição é "partilhada pelo autarca de Entrimo".
Questionada pelo JN, sobre de quem é a responsabilidade daquele território e se foi tomada alguma medida no sentido de acautelar a segurança das pessoas, a EDP informou que por agora não presta declarações.
Entretanto, aquela "aldeia de ninguém" e os restos da sua vivência - ali veem-se até uma vassoura, grades com garrafas dentro, a carcaça de um carro, objetos e loiças partidas - continuam a suscitar curiosidade. E a despertar a imaginação de quem a visita.
"Vim a Aceredo como vou a qualquer povoado que emerge e que posso visitar. Não é o primeiro que visito. Venho por aquele romanticismo do decrépito. Penso que aqui houve vida e faço um filme na minha cabeça", conta Juan que se deslocou de Vigo com a mulher Maria. O visitante galego entende o grande fluxo de curiosos. Justifica: "É o turismo do decadente. Em Espanha há muitos lugares, edifícios, povoados abandonados que as pessoas vão ver".