Pouco antes de entrar numa das mortíferas câmaras de gás do inferno de Auschwitz, Vilma Grunwald entregou uma carta de despedida a um guarda para ser enviada ao filho e ao marido, também eles condenados a sofrer no mais terrível dos campos de concentração da Polónia ocupada pela Alemanha nazi.
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A carta chegou mesmo às mãos do marido, Kurt, que meses depois a entregou a Frank Grunwald, na altura com 11 anos e conhecido por Misa. E que não a leu durante décadas.
Família inteira em Auschwitz
Em dezembro de 1943, a família Grunwald foi enviada para aquele campo de concentração, onde, para além de Frank e dos pais, estava também o irmão mais velho, que tinha uma deficiência e que foi selecionado pelo conhecido médico Nazi Josef Mengele - o "Anjo da Morte" - para morrer na câmara de gás. "A minha mãe não queria que ele morresse sozinho e entregou-se", contou Frank, numa entrevista à "Sky News",
Cinco dias depois de saber que o filho ia morrer, a mulher escreveu a nota, dobrou-a a meio e na parte de fora escreveu "Dr. Grunwald F Lager". Kurt Grunwald, médico de formação, era um prisioneiro responsável por tratar outros prisioneiros para que estes regressassem ao trabalho o mais rapidamente possível. O homem estava instalado numa caserna denominada F Lager.
Vilma entregou a carta a um guarda alemão que, como por milagre, a fez chegar pessoalmente ao marido. "A minha mãe tinha uma extraordinária capacidade para ler a personalidade das pessoas. Ele era um guarda mais velho, com 50 ou 60 anos, e a minha mãe deve ter percebido que era um homem cheio de compaixão", disse Frank.
O campo de concentração foi libertado dezassete meses após a morte de Vilma e, pouco depois, pai e filho conseguiram reunir-se. Nessa altura, o homem contou à criança que tinha uma carta da mãe falecida. "Eu não queria abrir. Estava muito transtornado".
Um carta com esperança no futuro
Kurt Grunwald morreu em 1967, com 67 anos, e foi aí que o filho encontrou a carta que a mãe lhe deixara. "O papel já estava amarelado. Mal a vi percebi que era a letra da minha mãe", contou Frank, que agora reside em Geist Reservoir, perto de Indianápolis, EUA. "Eu estava assustado, mas ao mesmo tempo muito curioso" por abrir a missiva, disse à agência Associated Press.
Antes do Holocausto, a família vivia na então Checoslováquia e Vilma escreveu o texto na língua materna, já no campo de concentração. "Não há uma palavra de raiva, ódio ou ressentimento sobre os Nazis. É tudo focado no meu pai, em mim e no nosso futuro", revelou.
"Tu, meu querido, nunca te culpes pelo que está a acontecer", escreveu a mulher. "O tempo vai curar, se não tudo, pelo menos parcialmente algumas destas recordações. Toma conta do nosso pequeno filho sem o estragar mimando-o com tanto carinho. A tua, para sempre, Vilma".
Depois da morte do pai, Kurt levou a carta para casa e guardou-a sem a mostrar a ninguém durante mais de vinte anos. Só durante a última década do século passado é que a apresentou a alguns familiares e há cerca de quatro anos entregou-a ao Museu do Holocausto, em Washington DC, nos EUA. "Nunca pensei que fosse ter este impacto. Há pessoas que me contactam e que eu não conheço".
"É sempre muito arriscado dizer que não há nada igual. Mas, pelo que sabemos, nunca vimos nada assim", referiu Jane E. Klinger, curadora do museu. Para ser preservada, a carta é substituída todos os seis meses por uma cópia.