Apenas quatro países da União Europeia (Grécia, Irlanda, Malta e Luxemburgo) não têm deputados de extrema-direita nas suas assembleias nacionais. Portugal elegeu o Chega para o Parlamento, Espanha duplicou esta semana os deputados do Vox, húngaros, polacos e checos vivem em extremismos. O coração da Europa bate cada vez mais à direita.
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É uma ínfima fração, apenas um deputado entre 230 - o que não dá sequer um corpo inteiro, dá só 0,43% do Parlamento -, mas nunca tinha acontecido em 45 anos de democracia portuguesa: a Assembleia da República elegeu pela primeira vez um mandatário de extrema-direita (André Ventura, do partido Chega, votado por 66.442 pessoas, 1/3 delas só em Lisboa). Será um caso fortuito e sem repetição? Crê-se que não - basta olharmos para o baque que, com mais ou menos estrondo social, ressoa pela Europa fora.
Vox reina em Espanha
O exemplo mais recente é daqui do lado: nas eleições espanholas de domingo, o partido nostálgico Vox, fundado em 2013 por um conservador dissidente do Partido Popular e com políticas claras anti-imigrantes e contra as inclinações separatistas de catalães ou de bascos, somou 3,6 milhões de votos.
É um número espetacular para um partido que antes de abril, nas penúltimas eleições de Espanha, que continua sem conseguir formar governo, não tinha um único deputado eleito. Há sete meses, o Vox elegeu 24 deputados e esta semana mais do que duplicou a sua representação: tem agora 52 parlamentares num hemiciclo de 350, o que lhe dá 15% do congresso e faz do Vox o terceiro maior partido espanhol da atualidade (o PP é o 2.º, com 20,8%, e o PSOE o 1.º, com 28% dos votos).
Chegará ao governo? É improvável, mas a sua voz reverbera e o som é cada vez mais alto.
Apenas três exceções na UE
Sozinhos ou em confederação, os partidos da ponta da direita já entraram na generalidade dos parlamentos da Europa - governam em coligações em nove países da UE com os seus estandartes nacionalistas, populistas, ultraconservadores e até mesmo neonazis. Com os dois países ibéricos agora a integrarem deputados de extrema-direita, sobram hoje apenas três países sem populistas extremados nos seus parlamentos: a Irlanda, que vai a votos em 2020, o Luxemburgo (eleições em 2021) e Malta (2022).
O peculiar caso inglês
Nesta demanda, o Reino Unido é um caso singular mas muito simbólico da onda que cresce à direita no espetro político europeu. Formalmente, a Câmara dos Comuns não tem parlamentares de extrema-direita, mas a sua prática converge para o extremismo: o Brexit Party, novo partido do populista Nigel Farage, foi o mais votado nas eleições europeias deste ano (30,5%, o que lhe rendeu 29 deputados no total de 73 ingleses no Parlamento Europeu), e o tradicional Partido Conservador vem guiando cada vez mais à direita devido ao processamento, ainda sem data à vista, de saída do Reino Unido da Europa, aproximando-se socialmente da extrema-direita.
O centro da Europa bate à direita
Na Hungria, o partido do primeiro-ministro Viktor Orbán é o Fidesz - União Cívica Húngara, uma agremiação populista e nacional-conservadora que é hoje o maior partido político do país. O seu crescimento é para a direita, sobretudo nas políticas anti-imigração e tem até comido território ao Jobbik, que era ainda mais extremista do que o Fidesz.
A refundação do aparelho judicial é sempre o exemplo citado e está a cavalgar também na Polónia, país onde o partido Lei e Justiça (PiS) governa com políticas de extremo nacionalismo económico e posições eurocéticas. Estes dois países apresentam problemas crescentes de falta de liberdade de Imprensa.
A República Checa governa abertamente na extremidade da direita com o presidente Milos Zeman, que até já militou entre os comunistas na década de 70, e o primeiro-ministro Andrej Babis, um empresário populista envolvido em vários casos de corrupção.
Na Bulgária, onde os governos comunistas dirigiram o país entre a II Guerra e 1990, sob forte influência da ex-URSS, a extrema-direita dos Patriotas Unidos (coligação nacionalista constituída pelo Movimento Nacional Búlgaro, pela Frente Nacional Para a Salvação da Bulgária e pelo Attack), está hoje no Parlamento e integra a atual coligação governamental - controla o Ministério da Defesa e tem dois vice-primeiros-ministros no novo executivo. O governo é chefiado pelo conservador Boyko Borisov e o seu partido Cidadãos para o Desenvolvimento Europeu da Bulgária (GERB).
Na Áustria, a extrema-direita só caiu com um escândalo
O baluarte da política internacional reorientou-se para a direita, agora muito influenciada pela extrema-direita, é uma evidência, a que não será alheia a crise do estado social tão cara à esquerda, e onde o neoliberalismo cavalga contra os migrantes.
É o caso do Alternativa Para a Alemanha (AfD), partido surgido em 2013 que vingou justamente pela política de combate à imigração e ao projeto da União Europeia; transformou-se já no 3.º maior partido alemão nas eleições de 2017, alcançando 13% de votos. Nota relevante: pela primeira vez desde o pós-guerra, a extrema-direita senta-se no Bundestag e assume-se como principal partido da oposição ao governo de coligação dos conservadores da União Democrata-Cristã (CDU), União Social-Cristã (CSU) e o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD).
Ao lado, a Áustria assistiu em 2017 ao regresso do ultradireitista Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), de Heinz-Christian Strache, que tinha por lema "Menos Europa" e anunciou a sua adesão à aliança de partidos nacionalistas de Matteo Salvini, o problemático vice Primeiro-ministro de Itália entre junho de 2018 e setembro de 2019. Strache obteve 26% dos votos, com 51 deputados em 183, e integrou a coligação dos conservadores ÖVP, do chanceler Sebastian Kurz (61 deputados). O FPÖ é seguramente o mais antigo partido nacionalista da União Europeia, fundado na década de 50 por um antigo oficial das SS, e que atingiu o seu zénite de popularidade, e extremismo, com a liderança de Jörg Haider, em 1986.
Um escândalo de corrupção que envolvia a Rússia obrigou à demissão de Strache, fez cair o governo, e após as eleições antecipadas de setembro, o Partido Popular, do atual primeiro-ministro Sebastian Kurz, de centro-direita, venceu com 37,1% dos votos. Os social-democratas ficaram em 2.º (21,7%), à frente da extrema-direita do FPÖ, que ainda assim obteve 16%.
O bicudo caso do italiano Salvini
Correligionário da Frente Nacional, da francesa Marine Le Pen, admirador de Putin e de Trump, com discurso anti-imigração, anti-euro e anti-Islão, o anterior vice-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini quer liderar uma aliança europeia de nacionalistas e soma popularidade. O seu partido secessionista Liga, que até às legislativas de 2018 só tinha dimensão regional, alcançou com Salvini extrema popularidade: saltou de 4% em 2014 para 14% em 2018. Aí concorreu aliada à Forza Italia, de Berlusconi, e aos Irmãos de Itália, de Giorgia Merloni, obtendo 17% (123 deputados em 630), mas saltando para o poder coligado com o Movimento 5 Estrelas (219 deputados), um partido populista de ideologia "vai a todas". Em pouco mais de um ano de governação, a Liga cresceu em popularidade e ultrapassou o 5 Estrelas, registando em sondagens recentes mais de 30% das intenções de voto. Um golpe de teatro afastou Salvini do governo em setembro, sendo o governo atualmente liderado por uma coligação entre o 5 Estrelas e o PD, do centro-esquerda cristão.
Em França o problema é Le Pen
O caso pontiagudo da França chama-se Marine Le Pen. A sua Frente Nacional (FN), agora rebatizada União Nacional (RN), é dos mais antigos partidos de extrema-direita europeus em atividade. Eurocético, protecionista e abertamente anti-imigrantes, não tem grande importância parlamentar (oito deputados entre os 577 da Assembleia Nacional francesa), mas o problema para a democracia é o crescente carisma da filha de Jean-Marie Le Pen: nas presidenciais de 2017 chegou à segunda volta, e nas últimas eleições europeias obteve 23,3%, somando mais 200 mil votos do que o partido do atual presidente francês Emmanuel Macron, A República Em Marcha (LREM).
Holanda, Dinamarca, Suécia e Finlândia
Na Holanda, as eleições de 2016 obrigaram a Europa a olhar de frente para o preocupante peso das forças de extrema-direita. O Partido Para a Liberdade (PVV), do xenófobo Geert Wilders, ficou em 2.º lugar, com 13% e 20 deputados numa assembleia de 150. A eleição foi ganha pela direita do Partido Popular Para a Liberdade e Democracia (VVD), do primeiro-ministro Mark Rutte.Mais recentemente, a agremiação rival de de extrema-direita Fórum Para a Democracia (FvD) conseguiu tirar a maioria à coligação governamental no Senado nas eleições provinciais de 20 de março (14,5%, elegendo 10 senadores).
No país acima, o Partido do Povo Dinamarquês (DPP), extremamente populista e colado ao espetro da ultradireita, foi a grande surpresa das legislativas de 2015 na Dinamarca: tornou-se a segunda maior formação política, com 21% dos votos (37 deputados em 179).
Na Finlândia, o Partido Social-Democrata (SDP), de Antti Rinne, centro-esquerda, venceu as legislativas de 14 de abril, elegendo 40 dos 200 deputados do parlamento, mas isso significou apenas mais um do que os extremistas de direita Verdadeiros Finlandeses.
Na Suécia, o partido nacionalista de direita Democratas da Suécia (DS), chegou nas eleições de 2018 aos 17,5%, elegendo 62 deputados num parlamento de 349. É a 3.ª maior força política do país, que é agora governado numa coligação de socialistas e Verdes. Liderado por Mimmie Akesson, o DS, criado em 1988 por antigos militantes do movimento nacional-socialista, entrou no parlamento pela primeira vez em 2010, quando elegeu 20 deputados com a sua vigorosa retórica contra os imigrantes.
Aurora e ocaso gregos
O partido de extrema-direita Aurora Dourada chegou a ser, em 2015, o 3.º mais votado nas legislativas, com 7%, só atrás do Syriza e da Nova Democracia. Neofascista e neonazi, o Aurora Dourada é ainda graduado pelo próprio líder, Nikolaos Michaloliakos, como nacionalista e racista. Michaloliakos e outros 68 membros do Aurora foram acusados do homicídio por esfaqueamento do rapper antifascista Pavlos Fyssas, ocorrido em 2013. Depois da aurora, veio o ocaso: nas eleições deste ano foram varridos do Parlamento grego, uma vez que não conseguiram superar a barreira mínima de 3% dos votos.