Nikolai Biryokov, de 65 anos, saiu de Mariupol há dias, depois de ter perdido a casa. Ruslan, que vivia em Slavyanka, na região de Donetsk, já a tinha perdido em 2014. Estão os dois, agora, em Odessa.
Corpo do artigo
O que une estes dois homens, além do compartimento num comboio de evacuação, é o facto de terem ficado sem nada por causa da guerra. Ambos entraram neste comboio em Dnipro, no meio de tantos outros ucranianos que, às escuras, se moviam pelo túnel de acesso à plataforma. O comboio que devia ter chegado às 21.30 horas, para partir meia hora depois, chegou às 23, vindo de Kostyantynivka, na região Donetsk. Rapidamente todos se colocaram em fila à porta de cada vagão, mesmo sem bilhetes.
"Ninguém fica aqui, levamos todos os que quiserem ir", diz a funcionária da estação. Todos conseguem lugar para se sentar, mas camas só há para alguns. A viagem segue noite dentro. Sempre às escuras, por causa do medo das bombas.
Uma mulher com mais de 70 anos entrou com vários sacos plásticos na mão e sentou-se ao lado de Nikolai, que já dormia. "Não é justa esta guerra, já não tenho idade para isto. A guerra já levou a minha mãe", confidenciou. A maior parte das pessoas deixou Mariupol, Berdysandk, Zaporíjia ou o Donbass, "antes que tudo piore".
Já de manhã, Ruslan e Nikolai começam a conversar timidamente. Todos têm uma história para contar. Nikolai saiu de Mariupol e, depois de vários dias em Berdyansk, onde foi ajudado por um homem que vendia alfaias agrícolas, chegou a Zaporíjia. "Aquele homem é um anjo, tratou-nos tão bem. Ficamos lá cinco dias sem conseguirmos sair. Deu-nos local para dormir e comida, e tentou sair connosco várias vezes sem sucesso. Nunca aceitou o nosso dinheiro, chama-se Detyuk Andriyovich", contou. "Parti de Mariupol porque perdi a casa e tudo, só tenho esta roupa. Veja o meu casaco, está tão sujo, nunca ando sujo".
Ruslan, por sua vez, conta-lhe que é do Donbass e que agora mora em Slavyanka. "Também perdi a casa em 2014, no início da guerra em Donetsk. Agora saí porque acho que a guerra na frente leste se vai intensificar". Está cansado. "Esta guerra está a tirar-me a juventude e a vida. Estava a estudar para ser professor na universidade e agora sou um motorista", afirma. Não está revoltado mas tem consciência de que a guerra lhe trocou as voltas à vida e, agora, uma vez mais, é obrigado a largar tudo.
