Presidente francês François Hollande rejeita legislar circunstancialmente contra o burquíni, porque seria inconstitucional. E lança-se à difícil reeleição em 2017
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A laicidade "não é uma religião de Estado contra as religiões". É, "antes de mais, um princípio de neutralidade que se impõe ao Estado, mas também aos cidadãos, que devem respeitá-la". Com esta sentença liminar, o Presidente socialista François Hollande procurou, esta quinta-feira, calar a retórica de Direita que apregoa um reforço securitário na sequência da série de atentados reivindicados pelo autoproclamado Estado Islâmico. Uma retórica que poderá - assim o indicam as sondagens - afastá-lo da Presidência francesa em 2017.
Ainda que não se tenha anunciado candidato, Hollande assumiu-se ontem como tal, num fórum que nem seria o mais adequado. Falava numa conferência sobre "a democracia face ao terrorismo". E contrariava, de passagem, o próprio primeiro-ministro. Ao contrário de Manuel Valls (e da Direita, claro), ergueu-se, sem o dizer especificamente, contra as proibições do fato de banho islâmico: "Enquanto eu for Presidente da República, não haverá legislação de circunstância, tão inaplicável quanto inconstitucional". Valls sugeriu recentemente que se discutisse o burquíni, recordando os debates que levaram a leis proibindo símbolos religiosos nas escolas ou o véu integral em serviços públicos. Em nome da laicidade que, defendendo-a enquanto "liberdade de acreditar ou não acreditar", defende também enquanto "exigência de nunca impor as próprias crenças e práticas ao próximo".
Hollande lembrou que a lei que separa Igreja e Estado tem 110 anos e data de uma era em que o Islão era residual em França. Hoje é a segunda religião e, acredita o chefe de Estado, pode "admitir a separação da fé e da lei que é o fundamento da laicidade". "Nada na ideia de laicidade se opõe à prática do Islão em França, desde que seja efetuada em conformidade com a lei".
A recusa em legislar circunstancialmente é uma resposta ao opositor e ex-chefe de Estado Nicolas Sarkozy, que denunciou "argúcias jurídicas" que bloqueiam a luta antiterrorista. "Os princípios constitucionais não são argúcias jurídicas", disse Hollande, esquecendo que quis mexer na Constituição para refrear liberdades no pós-13 de novembro.
A intervenção de Hollande poderá ser também olhada como um ponto de ordem no Governo, oficialmente dividido sobre o assunto, com a ministra da Educação de origem marroquina Najat Vallaud-Belkacem na frente oposta a Valls.
Daí, o discurso de Hollande conduz à eleição a democracia como arma contra o terrorismo. Recordando que os jiadistas do EI começaram por atacar muçulmanos como eles, disse que a democracia é o alvo dos terrorismo islamista: "Incarna o contrário daquilo que ele é: a liberdade de culto, o respeito, a igualdade entre mulheres e homens. Estes princípios são para ele insuportáveis". Defendeu por fim a França, as suas liberdades, o seu estado de direito, a sua educação e a sua cultura. E assumiu o "combate de uma vida". As últimas sondagens chumbam-no e a toda a Esquerda na primeira volta das presidenciais de 2017.