O governo italiano de extrema-direita, liderado por Giorgia Meloni, vai começar a implementar as medidas severas que prometeu aos seus eleitores. A oposição já apelidou o governo de "anti-Gandhi".
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Por exemplo, cortar estradas ou caminhos de ferro, como é comum em protestos sindicais ou ambientais, será um crime punível com até dois anos de prisão. Até agora acarretava apenas uma sanção administrativa. O mesmo é válido para resistir passivamente a um agente na prisão ou num centro de acolhimento de migrantes.
Os estrangeiros em situação irregular também terão mais dificuldade em fazer contactos telefónicos, uma vez que será necessária uma autorização de residência para a aquisição de um cartão de telemóvel, sob pena de encerramento da loja até um mês se não for exigido. A Cáritas e outras organizações que trabalham com migrantes manifestaram preocupação com uma medida que consideram “discriminatória” e que afetará “o direito de comunicar com a própria família”.
Estas alterações estão contempladas no decreto de segurança, um grande pacote de medidas que cria até 20 novos crimes ou agravantes, e aumenta os anos de prisão. A norma já foi aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 18 de setembro, faltando apenas passar pelo Senado, onde o Governo quer que tenha total prioridade. Na semana passada já decorreram manifestações da oposição e dos sindicatos, que consideram o decreto "liberticida" e "simples propaganda" de pouco efeito prático, e uma exibição de "fúria ideológica".
Um dos procuradores de Nápoles, Fabrizio Vanorio, membro da associação progressista da Magistratura Democrática, é uma das vozes críticas. "Prevê normas tecnicamente fascistas. A ser aprovado, voltaria a ser um direito penal autoritário semelhante ao dos anos de Mussolini ou, para dar um exemplo mais moderno, ao da Hungria de Orbán", disse sobre o decreto, citado pelo diário espanhol "El País".
Meloni agita assim uma das suas bandeiras mais reconhecidas: a ordem e a segurança. Aliás, quase a primeira iniciativa legal que lhe deu notoriedade, em 2022, foi a chamada lei das raves, que punia quem organizasse festas musicais em locais dos quais não é proprietário. A medida arrancou um longo processo de criação de um decreto de segurança, que atacaria todas as prioridades da extrema-direita italiana - de protestos a imigrantes, canábis light ou os ocupas.
Castração química
Além disso, símbolo das exigências mais extremas, uma das antigas obsessões da Liga insinuou-se no processo: a castração química dos agressores sexuais. O partido populista de Matteo Salvini conseguiu aprovação para, pelo menos, a formação de uma comissão técnica para estudar uma eventual proposta de inibição do impulso sexual dos reclusos, através de fármacos, desde que a aceitem voluntariamente.
Nesse caso, tal implicaria uma suspensão condicional da pena. É uma medida que é aplicada na Rússia, na Polónia e em alguns países escandinavos, mas cuja eficácia também está em discussão. Não é provável que vá além de ser discutido em comissão, mas é a prova das questões que a Liga introduz no debate público.
Tanto o Partido Democrático (PD) como a restante oposição e vários juristas já garantiram que é inconstitucional e anacrónico aplicar castigos corporais.
Criminalizar protestos
Boa parte do decreto, a mais polémica, centra-se no endurecimento da lei, das penas, em relação a manifestações de protesto. O primeiro sindicato italiano, CGIL, denunciou que “é uma pena introduzir regras destinadas a punir indiscriminadamente aqueles que manifestam o seu desacordo com o Governo ou se manifestam para defender um emprego”. Participar em bloqueios rodoviários ou ferroviários pode significar um mês de prisão, mas se for feito numa mobilização coletiva poderá ir de seis meses a dois anos.
Mas isso é apenas parte. O decreto introduz uma circunstância agravante, que aumenta as penas até um terço, se a violência ou as ameaças a um agente forem realizadas "para impedir a conclusão de uma obra pública ou de uma infraestrutura estratégica". Foi o caso dos protestos ocorridos contra os comboios de alta velocidade ou a ponte do Estreito de Messina.
Além disso, são agravadas as penas, que passarão de um ano e meio a seis anos de prisão, para o crime de dano durante um protesto, caso haja violência contra pessoas ou ameaças. Por outro lado, os polícias poderão transportar armas sem licença quando estiverem de folga, como um revólver, uma pistola ou uma arma longa.
Mas a referência da oposição a Gandhi deve-se também a outra medida, a punição da “resistência passiva” como método de protesto nas prisões, mas também nos centros de acolhimento de migrantes. Este último artigo estabelece penas de um a cinco anos de prisão para quem “participar numa revolta através de atos de violência ou ameaças ou resistência à execução de ordens emitidas”, em grupos de três ou mais pessoas. E sublinha que “os comportamentos de resistência passiva constituem também atos de resistência”. É uma iniciativa que surge no meio de uma grande tensão nas prisões, onde ocorrem protestos devido às instalações decadentes e saturadas (61.840 reclusos para 46.929 lugares). Até agora, houve 72 suicídios este ano.
Grávidas, canábis e ocupas
O novo decreto termina com a exceção de que as grávidas ou as mulheres com filhos menores de um ano não vão para a prisão. É uma das várias medidas tomadas tendo em conta a imigração irregular. Esta, em particular, foi concebida especificamente para mulheres carteiristas que praticam pequenos furtos, a quem esta exceção permitia que fossem presas vezes sem conta sem consequências maiores. E há outra agravante, caso o crime seja cometido “no interior ou nas proximidades de estação ferroviária ou de metro”, ou no interior das carruagens. O metro e as estações de Roma ou Milão tornaram-se um foco de crime.
Quanto aos ocupas, o decreto prevê penas de dois a sete anos de prisão para quem ocupar um imóvel ou impedir o acesso ao proprietário, e isto inclui tanto habitações como garagens, terraços ou pátios. É estabelecido um procedimento de emergência para a desocupação do imóvel e este será feito oficiosamente se o proprietário for uma pessoa incapaz por idade ou doença.
Outra frente que tem suscitado fortes críticas é a que termina com a chamada canábis light, com uma percentagem de THC inferior a 0,2%. O novo decreto equipara-a a outras drogas. O problema é que, desde que foi legalizada em 2016, floresceu um importante negócio em torno do produto: são 800 empresas que o cultivam e 1500 tratam da sua transformação. Movimentam 500 milhões de euros e empregam 11 mil pessoas. Supõe-se que seja um setor em expansão.