Emigrantes portugueses vivem tempos difíceis. Alguns estão a ser ajudados pelos governos, mas há muitos relatos de pobreza e solidão.
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Muitos acreditaram que, com a entrada de um novo ano, as coisas iriam melhorar. Os relatos de uma, duas, três vacinas testadas e eficazes no combate ao novo coronavírus que marcou o início da segunda década do século XXI deram alento a muitos corações. Principalmente aos que estão longe da terra que os viu nascer ou da terra onde deixaram famílias e amigos para traçar novos caminhos no estrangeiro. Mas a covid-19 não deu tréguas e voltou a roubar esperanças. Voltaram a fechar-se os serviços não essenciais... E as dificuldades económicas regressaram. Voltaram a fechar-se as fronteiras e as famílias tornaram a ser bruscamente separadas. Vamos sabendo diariamente, através dos meios de Comunicação Social, qual o impacto da pandemia em Portugal, mas e as comunidades de emigrantes portugueses no estrangeiro? Como estão a viver toda esta situação?
Suíça
"As ajudas não são suficientes. Muitos vão perder o emprego"
Num país onde os campos são verdejantes e o chocolate é o mais cobiçado da Europa, teme-se que os apoios não cheguem a todos, havendo também o problema dos trabalhadores com pouco tempo de descontos ou que não declaravam rendimentos.
A falta de informação sobre as ajudas para fazer face aos prejuízos provocados pela pandemia foi o que, inicialmente, causou mais problemas, indicou Samuel Soares, que, durante o confinamento, criou a plataforma online "Emigrar para a Suíça", onde partilha informações ligadas à emigração em português.
"Infelizmente, para os que perderam o emprego, este é um período muito complicado para encontrar novos trabalhos", disse Samuel, realçando a preocupação com os que trabalham sem contrato e que, por isso, não recebem ajudas do Governo. "Muitos vão perder o emprego, principalmente, na restauração e, infelizmente, as ajudas não são suficientes para todos os empreendedores que têm esses negócios e que empregam muitos portugueses na Suíça".
Alemanha
"Todos os que estejam legais têm direito a subsídios"
Por terras alemãs, onde a taxa de desemprego ronda apenas os 3%, a terceira mais baixa da Europa, parece abundar, ainda, a calma. "Para já, a comunidade [portuguesa] está sossegada", disse, ao JN, Daniel de Oliveira Soares, presidente da associação Casa de Portugal em Bremerhaven. "Não há ainda grandes perdas financeiras porque muitos trabalhadores estão em regime de férias pagas e os proprietários também recebem apoios do Governo".
Ainda assim, acrescentou Daniel, há um problema com os trabalhadores que têm pouco tempo de descontos por estarem no país há poucos meses e que, por isso, recebem menos apoios. Mas "todas as pessoas que estejam legais têm direito a subsídios", garante.
França
"Vivem com uma tremenda angústia o isolamento social"
Na França, país com a maior comunidade de portugueses emigrados, são duas as grandes preocupações neste ano atípico afundado pela covid-19: o impacto psicológico e a falta de oportunidade para os jovens. "Alguns temem perder o trabalho, outros vivem em tremenda angústia o isolamento social", contou Anna Martins, presidente da Cap Magellan, associação de jovens lusófonos. "Há um receio ao ligar a televisão porque temem pela família que deixaram em Portugal".
Por outro lado, nos últimos meses, a associação, que ajuda portugueses a encontrar trabalho em França, recebeu "muitos pedidos de jovens que não conseguem obter estágios porque as empresas receiam contratar. A cada crise, há um aumento considerável de pedidos" de ajuda, notou.
Luxemburgo
"Muitos já foram ajudados a regressar a Portugal"
No Luxemburgo, aquele pequeno país fronteiriço à França com mais de 95 mil portugueses, o desassossego é muito. Os que chegaram pouco antes da pandemia são os que mais têm tido problemas, relatou José Trindade, presidente e fundador da C.A.S.A - Centro de Apoio Social e Associativo.
Consequência do fecho do comércio, muitos "contratos de trabalho precários não foram renovados". Com pouco menos de 16 dias de descontos e sem direito aos serviços sociais, "perdem abonos de família e começam a ter dificuldades por não ter como pagar a renda", bem como "o acesso aos cuidados de saúde".
O cenário é negro porque "muitos chegam a passar necessidades e não ter o que comer, perdendo toda a dignidade", descreve o responsável da associação, que tem apoiado a comunidade com alimentos, roupas e atendimento psicológico. "Muitos já foram ajudados a regressar a Portugal".
Reino Unido
"O medo do vírus está a impedir as pessoas de ir ao hospital"
Em terras de Sua Majestade, o caos está instalado. Mas não só devido à covid-19, que, dizem, está a provocar menos danos na comunidade portuguesa do que a saída da União Europeia.
As lojas e os comércios portugueses ainda estão abertos, mas os restaurantes estão todos fechados e só podem servir em regime de "takeaway", o que poderá desencadear uma onda de desemprego ou de problemas financeiros, revelou Iolanda Banu, diretora da Comunidade de Língua Portuguesa no País de Gales.
"Estamos isolados. Não podemos ir a Portugal e quem quer voltar está com imensa dificuldade porque tem de ficar 15 dias em isolamento", disse, ainda mais preocupada com a questão da saúde.
"O medo do vírus está a impedir as pessoas de ir ao hospital quando precisam de cuidados médicos, além de que estão a ser adiadas muitas consultas. Isto pode ser muito problemático para a comunidade", acrescentou.
Canadá
"Os empresários da restauração estão com muitas dificuldades"
Não só na Europa a comunidade lusa sente o impacto da pandemia do novo coronavírus. No Canadá, há já famílias a passar muitas dificuldades e, em muitos casos, esgotaram as poupanças a tentar manter negócios de uma vida.
Quem o diz é o luso-canadiano Jack Prazeres, empresário e presidente da instituição de solidariedade social Luso-Canadian Charitable Society, que dá apoio a crianças com necessidades especiais. "Muitas das famílias que apoiamos estão com grandes necessidades porque, como todas as associações estão fechadas, são obrigadas a ficar em casa e a perder o ordenado", contou Jack, acrescentando que distribuem refeições em mais de 20 casas.
Estados Unidos da América
"Temos pessoas a passar fome, sozinhas e muito deprimidas"
Naquela que é conhecida como "a terra prometida", não se vive as melhores horas. Especialmente para os mais idosos e para os que partiram sem a ideia de ficar e que nunca mais voltaram. Vivem agora sem documentos e sem acesso a apoios. É o retrato que nos fez Helena DaSilva Hughes, diretora do Centro de Assistência ao Emigrante, em New Bedford, onde vive uma das maiores comunidades de portugueses e lusodescendentes dos Estados Unidos.
"A nossa comunidade é muito idosa e precisa de muita assistência porque muitos não sabem ler sequer", afirmou Helena. Por causa disso, muitos não compreenderam a complexidade do vírus e isso refletiu-se na morte de muitos portugueses no país, adiantou.
"Temos pessoas a passar fome, porque perderam os empregos e a prioridade é pagar as rendas, e idosos muito sozinhos e muito deprimidos porque estão longe das famílias há meses", realçou a diretora do centro, que está ajudar os mais necessitados a pagar as rendas para evitar uma onda de sem-abrigo.
Venezuela
"Os relatos que ouvimos não são nada bonitos"
Na Venezuela, onde a vida já não corria favoravelmente, a covid-19 está a deixar um rasto de desgraça e há pessoas a passar muitas necessidades, indicou Jany Moreira, professor de Português e membro da Associação de Lusodescendentes da Venezuela.
"Por causa das limitações [impostas pelo Governo], estamos sete dias em confinamento e sete dias livres", descreveu Jany, chamando a atenção para um problema que marcará uma geração: o ensino funciona apenas à distância, mas a Internet, na maior parte das vezes, não funciona. Assistir às aulas online é "quase impossível".
Por outro lado, "há muitas pessoas a passar fome". Muitas já "regressaram a Portugal", outras "gastaram todas as economias a tentar ficar no país", acrescentou. "Temos uma elevada taxa de mortalidade porque as pessoas já não viviam saudáveis. Além disso, muitas estão tão mal economicamente que não querem dizer que estão doentes", lamentou o professor luso-venezuelano.