Dentro e fora da Ucrânia, as mulheres que se mobilizam na defesa da soberania do país. Histórias de ação política, de coragem e mesmo de combate armado aos invasores.
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Entre a devastação do segundo dia de ataques russos, nos escombros de um bloco de apartamentos de Chuviv, a sul de Karkhiv, o sorriso quase piedoso da professora ucraniana apanhada pelos bombardeamentos tornou-se no rosto de sangue e ligaduras que ilustra a brutalidade da guerra. A foto de Helena correu Mundo, mas foi só a de um caso apanhado pela lente de um repórter, porque, na frente do combate ou na retaguarda, outras milhares, milhões de expressões femininas contribuem para o esforço de guerra e resistência, na defesa da soberania ucraniana.
"Saúdo a coragem incrível das mulheres da Ucrânia, que combatem, que são obrigadas a encontrar abrigos para os mais próximos, nos bunkers, que dão à luz nas estações do metro e que travam o combate na linha da frente. Presto-lhes a minha homenagem, pela coragem, pela força e pela resiliência", declarou, no Dia Internacional da Mulher, outro dos rostos femininos mais implicados na resolução do conflito, o da maltesa Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu.
Da frente eminentemente política que procura uma resolução pacífica, ressalta, desde logo, a própria presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, que se multiplica em contactos nos corredores diplomáticos. Mas é lá na Ucrânia - como tantas vezes sucede na História das guerras, na ausência dos homens mobilizados para as trincheiras - que as mulheres tomam as decisões, no seio das famílias e das comunidades. Uma mentalidade ucraniana muito própria, forjada por muitos episódios de conflitos ao longo dos séculos, ao ponto de quase se estabelecer uma sociedade matriarcal.
O exemplo desta combatividade feminina vem bem de cima, da primeira dama, a senhora Olena Zelenska, que declinou a oferta de asilo nos EUA e permanece com o marido em Kiev, a organizar a resistência. Outra notável ucraniana, Ioulia Timochenko, ex-primeira ministra, junta-se à causa e posa para o Instagram com uma arma na mão.
heroínas
Nada que espante num país em que as mulheres representam 17% do efetivo regular do exército (35 mil, entre as quais quatro mil oficiais de carreira) e onde outras milhares de voluntárias, em resposta ao apelo do presidente Zelensky, se mobilizam para a frente de combate, na chamada Defesa Territorial Civil.
A estas heroínas que pegam nas armas para o confronto nas ruas junta-se o exército de bloggers, youtubers e influencers a quem, ainda há duas semanas, se lhe denunciava uma certa superficialidade, mas que, agora, na hora do aperto, mobilizam milhões de seguidores, através das redes sociais. Entre este grupo de mulheres influentes estão, entre outras, a cineasta Anastasia Mikova ou a cantora Jamala, vencedora do Festival da Eurovisão de 2016, com "1944", precisamente uma canção sobre a deportação de 200 mil tártaros da Crimeia, executada pela polícia secreta soviética, a mando de Estaline.
CULTURA
Artistas declaram-se contra a invasão
Se a mobilização feminina contra a guerra tem rostos, eis um dos nomes mais corajosos, o de Elena Kovalskaya, diretora do Teatro de Estado e do Centro Cultural Vsevolod Meyerhold, de Moscovo, que se demitiu, em sinal de protesto contra a invasão da Ucrânia pela Rússia. Em Kiev, uma das artistas mais corrosivas de Putin produziu a obra mais mordaz e eloquente: Dariya Marchenko fez um retrato gigante do presidente russo com cinco mil invólucros de balas recolhidos nos campos de batalha do Donbass e chamou-lhe "The Face of War". O aceno da cultura como arma de resistência, também se viu na ópera, a 27 de fevereiro, e no aplauso do teatro San Carlo, em Nápoles: no final de Aida, de Verdi, as sopranos Ludmila Monastirska, ucraniana, e Ekaterina Gubanova, russa, trocaram um longo abraço, em sinal dos laços que unem os dois povos.