Capital ucraniana passou o dia de aniversário da guerra sem sirenes, mas o silêncio doloroso fez-se ouvir
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Passado um ano desde a fatídica madrugada que agitou violentamente a Ucrânia, Kiev acorda tranquila e serena. A noite silenciosa, sem sirenes de alarme para um ataque aéreo, fez desvanecer a pesada expectativa de que algo terrível pudesse acontecer na capital no dia em que se assinala o primeiro aniversário da guerra. Contudo, a quietude sentida nas ruas carrega um denso simbolismo, insuflado ao longo de 365 dias penosos, dramáticos e insuportáveis. Talvez o silêncio seja o grito ensurdecedor da tristeza ucraniana numa efeméride tão cruel de recordar.
Ao fundo da Praça de Santa Sofia, onde se situa a majestosa catedral que é Património da Humanidade da Unesco, o vento gelado sopra com tanta intensidade que obriga as poucas pessoas presentes a aconchegarem-se nos agasalhos. Com gorros felpudos enfiados na cabeça, resistem ao frio para contemplarem os carros de combate e os fragmentos de mísseis russos que estão há meses sepultados na praça como um símbolo da resistência ucraniana. Um menino escala um dos tanques e posa sorridente para a fotografia, enquanto um pai, com o filho bebé ao colo, observa um camião destruído.
Ossos a tremer de medo
Junto a uma viatura carbonizada, Anastasiia Matiushko esconde o queixo no casaco e tenta gerir a inquietação provocada pela angústia. "Sinto um vazio. Sinto-me perdida porque percebo o que estas máquinas conseguem fazer, mas também sinto orgulho pelo facto de os nossos militares as terem conseguido parar e continuarem a lutar pela liberdade", desabafa com a voz embargada. O choque agita-lhe o corpo e a alma.
A viver desde 2014 nos Emirados Árabes Unidos, para onde partiu aquando da invasão russa à Crimeia, a jovem de 31 anos não visitava Kiev há dois anos. As saudades de casa eram mais que muitas, mas o medo continua bem presente, tão presente como em fevereiro de 2022. "Ontem à noite e hoje, os meus ossos tremiam como no ano passado, quando a guerra começou. Agora o sentimento é o mesmo, mas com muito ódio às tropas russas e a todos os que apoiam esta guerra. Há inocentes a morrer e o país está a ser destruído. É difícil de descrever".
Enquanto Anastasiia deambula pela exposição de destroços, mais à frente um casal de idosos percorre, em passo apressado, o mural das vítimas que morreram ao longos dos últimos oito anos. Ao final da tarde, já ninguém pára em frente ao painel preenchido com as fotografias das vítimas, mas os ramos de flores e as velas no chão ilustram o dia de homenagem. Durante a manhã, naquela mesma praça, foi às famílias das vítimas que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky se dirigiu, durante uma cerimónia cheia de militares que contou com Helena Carreiras, a única ministra da Defesa da União Europeia a visitar Kiev no dia do aniversário.
Ministra testemunha destruição
Como forma de expressar solidariedade e apoio à Ucrânia, a representante do Governo português conheceu Irpin, a cidade-mártir a Noroeste de Kiev. À entrada da cidade, Helena Carreiras ouviu o porta-voz do Exército ucraniano explicar que foi graças à ponte destruída que os militares estancaram o avanço das tropas russas e que foi por ali que centenas de civis cruzaram o rio para fugir ao calvário da ocupação. "O caudal era forte naquela altura e foi muito difícil atravessar para este lado", explica o militar, perto de um carrinho de bebé encardido.
Durante a visita, a comitiva portuguesa estacionou ainda no cemitério de viaturas carbonizadas pintadas com girassóis, onde a ministra da Defesa não conteve a admiração pela resiliência ucraniana. "Vocês não olham para trás. Não se esquecem do passado, mas sabem que é importante reconstruir. Nós estamos aqui para vos ajudar. Portugal apoia a Ucrânia desde o início e vai continuar a fazê-lo", afirmou.
Depois de passar por um centro cultural atingido por um míssil russo, Helena Carreiras visitou, por fim, um bairro residencial totalmente massacrado. Entre os prédios chamuscados, onde o cheiro a queimado permanece no ar, a ministra reconheceu que a Ucrânia está a atravessar um "momento crítico" e que, por isso, o Governo português está a reunir esforços para conseguir enviar os prometidos tanques Leopard 2 até ao final de março