"A União Europeia procurará seguir sempre a via do diálogo" entre a França e o Reino Unido
A França ameaçou cortar a energia à ilha britânica de Jersey em consequência da recusa de validação das licenças de pesca aos barcos franceses. José António Passos Palmeira, especialista em relações internacionais e ciência política, professor auxiliar da Universidade do Minho, falou com o Jornal de Notícias e explicou a quezília entre o Reino Unido e os gauleses.
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Porque é que o governo francês acusa o Reino Unido de violar o acordo comercial do Brexit?
A França alega que as imposições impostas aos pescadores franceses não estão contempladas no acordo do Brexit e, como tal, não poderiam ser adotadas unilateralmente. O que está previsto é que os eventuais conflitos sejam sanados entre o governo britânico e a Comissão Europeia, a qual, segundo o Governo francês, não foi avisada desse procedimento.
Era previsível que estes confrontos pudessem surgir com a saída do Reino Unido?
Estes conflitos podem acontecer porque os acordos não podem prever cada situação em concreto. São genéricos e remetem qualquer conflito de interesses para uma negociação bilateral entre o Reino Unido e a Comissão Europeia que gere a política comum de pescas na União Europeia (UE).
A França pode realmente cortar a energia à ilha de Jersey?
Não me parece que tal venha a acontecer, pois seria aumentar a escalada do conflito a um patamar difícil de controlar. É expectável que Londres e Bruxelas encontrem uma solução para o problema na base da negociação e não do conflito.
Quais as consequências desta decisão diplomática que França ameaça implementar?
As relações entre Londres e Paris já ficaram afetadas com o recente acordo (AUKUS) celebrado entre o Reino Unido, os Estados Unidos e a Austrália para a segurança na região do Indo-Pacífico e que abortou a venda de submarinos franceses à Austrália (que vai comprar os submarinos norte-americanos com propulsão nuclear). Por outro lado, os britânicos ameaçam sempre retaliar com a reposição da fronteira entre as duas irlandas, um dos pontos mais quentes do acordo do Brexit e que pode fazer renascer o conflito na Irlanda do Norte entre católicos (pró República da Irlanda) e protestantes (unionistas a favor do Reino Unido).
Acredita que a União Europeia está preparada ou a preparar sanções ao Reino Unido por violar os próprios acordos?
A UE procurará seguir sempre a via do diálogo, mas não pode transigir ao ponto de pôr em causa o delicado dossier irlandês. Por outro lado, o processo de decisão é mais complexo na UE, que não é um Estado, do que no Reino Unido. Mas Londres, até devido à atual crise dos camionistas que está a paralisar a economia britânica (a começar pela venda dos combustíveis), já terá notado que tem pouco a ganhar em hostilizar a EU e muito menos em criar conflitos com o vizinho do Canal da Mancha.