"A ver se o vírus lhes pega e morrem". Voluntária em lar de Barcelona denuncia horror
Raquel passou seis horas num lar em Barcelona, como voluntária. Conviveu e registou o horror que centenas de idosos que ali viviam estavam a passar. Escreveu um diário e reportou às autoridades.
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Apenas seis horas num lar de idosos na Catalunha e largou a função. "O que vi é desumano", denuncia. Não aguentou o que presenciou e veio embora. O drama escondido atrás das paredes daquelas residências ameaçadas pelo coronavírus não é fácil de ser intuído. Embora tudo o que se possa imaginar seja insuficiente, quando se ouvem testemunhos de pessoas que ingressaram nos últimos dias em qualquer um desses centros.
O jornal espanhol "La Vanguardia" falou com Raquel, uma voluntária a ajudar os mais velhos em apuros. Por causa do coronavírus. Por causa da negligência profissional de quem tem obrigação de os tratar.
Raquel passou por essa experiência e sua história, sem rodeios, exala extrema crueldade. Esta é a história de uma estadia de apenas seis horas num lar catalão, onde naquele dia as câmaras estavam cobertas com vendas para que não houvesse registo do que acontece lá dentro.
Utentes e trabalhadores que, longe de controlar os movimentos de algumas mulheres idosas, as incentivam a deixar o quarto "para ver se lhes pega o vírus e morrem" ou onde o almoço, sem explicação lógica, nem sempre chega a todos os quartos.
Sabem muito bem que perderam a dignidade
"Trocar outra vez a fralda. Porquê? Se ele vai cagar de novo?" Mas o testemunho de Raquel vai mais longe: os telefones estão sempre desligados, os remédios são espalhados pelo chão, ninguém quer saber quando os "velhinhos" são removidos da cama e as fraldas nem sempre são trocadas, porque "eles cagarão novamente".
"O olhar dele diz tudo: eles sabem que não saem disso e sabem muito bem que perderam a dignidade", partilha Raquel. Este é um lar onde os avós não precisam dizer nada. O olhar diz tudo. Eles sabem que vão morrer, que não conseguem superar isso. E eles estão plenamente conscientes, apesar das doenças e limitações. Ninguém está lá para cuidar deles e sabem que não podem fazer nada para evitar esse fim.
Raquel Alonso Chicharro, 32 anos, conta que não deseja a ninguém o que viveu nas seis horas que passou naquele lar de idosos. Contudo, quer que a sua desagradável experiência seja conhecida.
Pior ainda estava por vir. Deparou-se com uma sala cheia de idosos e com sintomas muito claros e evidentes de Covid-19: muita tosse, febre alta e diarreia.
"Todos sentados nas suas cadeiras e com quase nenhuma força para se mover", recorda ao "La Vanguardia". E de repente algo chamou sua atenção: "Naquele dia as câmaras naquela sala estavam cobertas com fita preta". Não há registo, portanto, do que lá acontece. Mais:
Nunca levarei os meus pais ou avós para um lar
À medida que os minutos passavam, o drama vivido entre aquelas paredes aumentava de grau. Diziam-lhe, por exemplo, para deixá-los [os idosos] a comer sozinhos, quando não eram capazes. "A comida permanecia na bandeja". Não havia comida suficiente para todos. "Uns ficavam sem comer, sem razão aparente". Mais: "Referiam-se aos utentes com apelidos como "la loca" ou "el cabrón".
Mais tarde, também testemunhou como um dos funcionários puxou violentamente o braço de outro idoso para levá-lo da cama para a cadeira de rodas. O "velhinho" chorou: "Está a magoar-me". O olhar daquele velho e do resto dos utentes daquele lar ainda estão fixos na memória de Raquel: "É que eles não precisam de dizer nada!".
Raquel anunciou ali mesmo que não voltaria no dia seguinte, que não poderia testemunhar mais um minuto "dessa total falta de humanidade e tanta crueldade."
Está determinada a denunciar a sua experiência: "Será quando isto [covid-19] acabar", diz ela. E remata: "Nunca levarei os meus pais ou avós para um lar".