"Bolsonaro triunfa, o Brasil tomba", "Mudança radical no Brasil" e a "violência verbal" que levaram a apelidar Jair Bolsonaro como "Trump brasileiro" são algumas expressões da imprensa europeia sobre as presidenciais no Brasil.
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Le Monde: o "preocupante regresso do passado"
O jornal francês "Le Monde" faz manchete com as eleições presidenciais do Brasil, sob o título "Bolsonaro triunfa, o Brasil tomba", e publica um editorial de capa intitulado "Preocupante regresso do passado".
"O Brasil acaba de eleger um presidente racista, sexista, homofóbico, partidário da tortura e nostálgico de um período ditatorial (1964-1985) cuja página pensávamos virada: Jair Bolsonaro é o primeiro militar eleito desde a chegada ao poder, em 1946, de Gaspar Dutra", descreve o vespertino no editorial.
O jornal acrescenta que "o candidato de extrema-direita fecha um parêntesis da história brasileira de 13 anos de governos dirigidos pelo Partido dos Trabalhadores de Lula, mais 33 anos de alternância política moderada entre o centro esquerda e o centro direita".
O editorial sublinha que "aos 63 anos, Jair Bolsonaro é, de longe, o chefe de Estado eleito de direita mais extremista da história recente da América Latina".
Brasil vem juntar-se a uma lista já longa de países que caíram no nacional-populismo
"Além da sua violência verbal, ele distingue-se, com uma certa regularidade, pelo seu racismo para com os povos indígenas e os negros, pela sua misoginia e pelo seu culto de armas de fogo. Esta retórica valeu-lhe a designação de 'o Trump brasileiro' ou 'o Trump tropical", continua o texto.
O editorial considera, ainda, que "a campanha eleitoral de 2018, em vez de revigorar uma democracia doente, piorou foi as suas maleitas" e aponta que os discursos "fracamente articulados" de Jair Bolsonaro "se reduzem a um ultranacionalismo quimicamente puro, totalitário e vingativo".
"O Brasil vem juntar-se a uma lista já longa de países que caíram no nacional-populismo um pouco por todo o mundo, dando o sentimento que nenhum continente está imunizado contra esta subida. Esta dinâmica perigosa vai-se traduzir rapidamente por efeitos muito concretos no Brasil", acrescenta.
Como exemplos prováveis desses efeitos são apontados o "estreitamento diplomático espetacular com Washington", nomeadamente no que toca a Israel, à Venezuela e à saída do Acordo de Paris para o clima.
"Para o Brasil, para a Amazónia e para o planeta, trata-se de um preocupante regresso do passado", conclui o editorial, lembrando que o presidente eleito "prometeu acabar com a agência brasileira encarregue do controlo da desflorestação e da demarcação das zonas indígenas".
Imprensa espanhola destaca vitória de "ultradireitista"
As eleições de domingo no Brasil também estão em lugar de destaque em toda a imprensa generalista espanhola, com o "El País" a escolher para título de primeira página que o "Brasil elege presidente ultra Bolsonaro por ampla maioria".
Os correspondentes do jornal em São Paulo e no Rio de Janeiro resumem que a vitória do "ultradireitista" Jair Bolsonaro, "ex-militar", "encaminha o maior país da América Latina para um período de incerteza".
O jornal de referência em Espanha e com uma grande projeção na América Latina dedica quatro páginas a noticiar as eleições em que os brasileiros decidiram "abraçar a ultradireita" ao mesmo tempo que se assiste ao "Colapso de um Titã", O Partido dos Trabalhadores do ex-presidente agora na prisão, Lula da Silva.
"Brasil elege o seu Trump", titula o ABC também na primeira página, acrescentando que os desafios do país mais povoado da Ibero-américa são "o fim da violência e a corrupção, e a redução do desemprego".
"La Razon" avança que o novo presidente significa uma "Mudança radical no Brasil", com Bolsonaro a recolher "o voto indignado contra o sistema corrupto de um país polarizado".
"Brasil numa volta até à extrema-direita com Bolsonaro", escreve o catalão "La Vanguardia" que em seguida explica que "a sombra da corrupção afunda o candidato herdeiro de Lula" da Silva.
Ex-editor "The Guardian": Rejeição da política do costume
A eleição de Jair Bolsonaro "não era mais uma questão de esquerda ou de direita, mas uma rejeição maciça da política do costume", escreve Simon Tisdall no "The Guardian".
O antigo editor de assuntos internacionais do diário britânico considera que a candidatura de Bolsonaro beneficiou de um fenómeno eleitoral, "uma preferência entre os eleitores por um 'outsider' político ou um 'disruptor' dissidente que desafia o 'status quo'".
Muitos eleitores alienados também ignoraram, ou perdoaram, as visões misóginas e homofóbicas de Bolsonaro
Tisdall faz paralelos não só às circunstâncias da eleição de Donald Trump nos EUA ou de Andres Manuel Lopez Obrador no México, mas também, ao nível dos temas de campanha, com Rodrigo Duterte, nas Filipinas.
As promessas de restabelecer a lei e ordem e erradicar a corrupção ecoaram junto de um eleitorado desgastado pela insegurança, crise económica e insatisfeito com o fracasso dos governos anteriores e que não foi afetado pela ditadura do século XX, refere.
"Ansiosos por acreditar nas suas pretensões de estar do lado deles, muitos eleitores alienados também ignoraram, ou perdoaram, as visões misóginas e homofóbicas de Bolsonaro, a sua inclinação por soluções violentas", vincou Tisdall, no artigo publicado na página eletrónica do "The Guardian".