Documentos revelam que o oligarca russo Roman Abramovich reorganizou as suas finanças, transferindo a propriedade efetiva de milhares de milhões de dólares para os filhos, dias antes de lhe serem impostas sanções, na sequência da invasão russa da Ucrânia.
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Roman Abramovich, multimilionário com nacionalidade russa, israelita e portuguesa, foi alvo de sanções pelo Reino Unido e pela União Europeia (UE) pelas alegadas ligações com o presidente russo Vladimir Putin. Com estas sanções, em meados de março, Abramovich ficou com os bens congelados, impedido de aceder a fundos de cidadãos e empresas da UE. Por outro lado, como tem passaporte português, o oligarca não ficou impedido de viajar, entrar ou transitar pelos territórios da UE como outros sancionados abrangidos pelas medidas.
Agora, documentos, que terão sido obtidos através de um roubo de dados de um provedor de serviços offshore com sede em Chipre, que administra os fundos fiduciários de Abramovich, e aos quais o jornal britânico "The Guardian" teve acesso, sugerem que foram rapidamente criados dez fundos offshore secretos para beneficiar Abramovich no início de fevereiro de 2022, três semanas antes do início da guerra. As mexidas nas finanças de Abramovich começaram dias depois de os governos terem ameaçado impor sanções aos oligarcas russos se as tropas de Putin invadissem território ucraniano.
Filhos tornaram-se multimilionários
O dia 24 de fevereiro de 2022 ficou marcado como o primeiro dia de invasão russa na Ucrânia, cujos impactos políticos e económicos se estenderam a toda a Europa e ao Mundo. Mas também foi neste dia que foram feitos os retoques finais na extensa reorganização dos negócios offshore de Abramovich, iniciada três semanas antes.
Até aquele mês, Abramovich era o único beneficiário de pelo menos dez fundos no Chipre e Jersey, uma ilha no Canal da Mancha. Em 4 de fevereiro, e quase de uma só vez, os fundos começaram a ser alterados, passando os filhos do oligarca a ser beneficiários. Os documentos sugerem que as alterações concederam-lhes uma participação coletiva de 51% ou, em alguns casos, de 100% nos ativos dos fundos. Assim, Abramovich deixou quase quatro mil milhões de euros em fideicomisso aos seus filhos.
O fideicomisso é uma disposição testamentária pela qual algum herdeiro ou legatário é encarregado de conservar e transmitir, por morte, a herança ou legado a um terceiro.
Em causa estão ações de grandes empresas russas e até ativos físicos mais chamativos, como o Eclipse, um superiate de 163 metros mantido pelo Europa Trust. Documentos mostram que Abramovich foi removido como beneficiário do fundo e substituído pelos filhos.
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Especialistas defendem que, apesar de não ser ilegal, esta reorganização de fundos pode complicar a imposição de sanções contra Abramovich e levanta questões sobre a potencial necessidade de sujeitar também os filhos do empresário ao congelamento de ativos. Ao contrário dos familiares de alguns dos conselheiros mais próximos de Putin, muitas famílias de oligarcas incluídos nas sanções evitaram as medidas.
Porém, torna-se difícil para as autoridades determinar quem, de facto, administra o fundo: o pai ou os filhos. No caso de Abramovich, parecem ter sido tomadas medidas que permitiriam afirmar que o oligarca não controla legalmente os ativos dos fundos. Os arquivos sugerem que foi permanentemente impedido de exercer qualquer controlo sobre os fundos.
Um antigo alto funcionário de aplicação de sanções dos EUA disse ao jornal britânico que esta reorganização terá servido para que Abramovich se distanciasse para que os ativos vulneráveis não fossem congelados.