Durante décadas, académicos de Oxford, no Reino Unido, beberam de um cálice feito de crânio humano, revelou agora um livro que explora a violenta história colonial dos restos mortais humanos saqueados.
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O cálice — feito a partir de um crânio serrado e polido, adornado com uma borda e um suporte de prata — foi usado regularmente em jantares formais no Worcester College, em Oxford, até 2015, de acordo com o professor Dan Hicks, curador de arqueologia mundial no Museu Pitt Rivers da universidade, citado pelo jornal britânico "The Guardian".
Depois de ter começado a verter o vinho, com fugas, a taça terá sido também usada para servir chocolates na instituição, acrescentou o arqueólogo, cujo próximo livro, "Every Monument Will Fall", traça a "história vergonhosa do crânio".
A crescente inquietação entre colegas e convidados terá terminado com o ritual da sala comum dos veteranos e, em 2019, a faculdade convidou Hicks para investigar as origens do crânio e determinar como se tornou naquilo a que chama "uma variedade doentia de utensílios de mesa".
"No século XX, o vaso era ocasionalmente exposto juntamente com a coleção de prata da faculdade e usado como utensílio de mesa. A faculdade não tem registos da frequência com que isto acontecia, mas a frequência foi severamente limitada após 2011, e o vaso foi completamente removido há 10 anos", indicou um porta-voz do Worcester College, citado pelo jornal.
Após receber aconselhamento científico e jurídico, o órgão dirigente da faculdade decidiu que o crânio deveria ser guardado no arquivo "de forma respeitosa, onde o acesso seria permanentemente negado", acrescentou o porta-voz.
Das Caraíbas até Inglaterra
Hicks não encontrou qualquer registo da pessoa cujos restos mortais foram utilizados para fazer o crânio, embora a datação por carbono tenha mostrado que tem cerca de 225 anos. O tamanho e provas circunstanciais sugerem que veio das Caraíbas e pertencia possivelmente a uma mulher escravizada.
Já os proprietários britânicos do cálice não foram difíceis de identificar. A taça foi doada à faculdade em 1946 por um antigo aluno, o antropólogo George Pitt-Rivers, cujo nome está inscrito na orla prateada do crânio. Pitt-Rivers era eugenista e foi internado pelo governo britânico durante a Segunda Guerra Mundial por apoiar o líder fascista Oswald Mosley.
A taça fazia parte de uma segunda coleção privada, menos conhecida, do seu avô, o soldado e arqueólogo vitoriano Augustus Henry Lane-Fox Pitt Rivers — que fundou o Museu Pitt Rivers em 1884. O avô comprou a taça de caveira num leilão da Sotheby's nesse mesmo ano. O anúncio mostra que, à data, tinha um suporte de madeira com um xelim da Rainha Vitória incrustado por baixo. As marcas de contraste de prata indicam que foi feito em 1838, ano da sua coroação.
O vendedor era Bernhard Smith, advogado formado no Oriel College, em Oxford, que colecionava sobretudo armas e armaduras. Hicks especulou que terá recebido o cálice como presente do seu pai, que serviu na Marinha Real nas Caraíbas.
O livro relata outros casos de crânios saqueados dos campos de batalha coloniais por vitorianos proeminentes, que foram depois expostos nas suas casas ou doados a museus.