Adriano Machado. Da Lapónia às Montanhas Rochosas do Canadá, o acaso e o destino de um audaz explorador tripeiro nas aventuras do gelo.
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"Chamo liberdade à minha ignorância do destino; e destino ao meu ignorar da liberdade". Na citação de Agostinho da Silva logo se anuncia um percurso incomum e rebelde. Um dia, este comercial fartou-se do quotidiano rotineiro e deixou tudo para trás, levado na paixão pela natureza, pelo pedestrianismo e pelo montanhismo. Também pela aventura extrema. Correu a Noruega e a Finlândia em trenó e especializou-se como guia de montanha e "musher", treinador de cães para os trilhos do dia-a-dia nas Rochosas do Canadá e para as corridas na Colúmbia Britânica.
Eis Adriano Machado, tripeiro de 57 anos (Massarelos, 25-2-1964), rosto de Ermesinde e cidadão do território de lobos. Conta que deve o destino à virtude original de um castigo materno: "Eu era um bichinho do buraco e passava os dias a comer enciclopédias, os atlas todos e as revistas da British Columbia. Até que a minha mãe me disse: 'Isto não pode ser assim, aqui sempre metido em casa, tens de arranjar uma atividade'".
Como recusasse os escoteiros ("Não gostava da farda"), Adriano tratou de arranjar a saída para a sentença materna: "Fui à lista telefónica, procurei associações e escolhi o Clube Nacional de Montanhismo". Aos 16 anos, reencontrou uma vocação pessoal pelas alturas. "Joguei basquetebol até aos juvenis no 'fêquêpê', na altura em chegou o Dale Dover. Também joguei no CPN", recorda Adriano.
Foi a iniciação da escalada e o chamamento da natureza, os Picos da Europa, os Pirenéus e o Gerês, a que chama "a minha casa". Foi também o início de "muitas caminhadas solitárias" do monitor de pedestrianismo, encarteirado pela Escola Nacional de Montanha. Os trilhos alargaram-se e levaram-no acima do Ártico, a trabalhar como guia "na terra do Pai Natal", na Lapónia profunda, no gelo e no frio.
Aprendeu técnicas de sobrevivência com os Serviços Florestais do Canadá. Trabalhou para uma empresa como guia de montanha e como treinador de cães para as corridas que chegam a durar nove dias e dois mil quilómetros na neve. Ele próprio deslocava-se em trenó, movido por uma matilha de mais vinte animais, liderados por cães-guias de muito valor. "Um 'lead dog' pode custar para cima de 10 mil dólares canadianos [6660 euros]", conta Adriano.
Desses anos na Colúmbia Britânica, entre 1999 e 2003, sobram-lhe todas as memórias. "Cheguei a estar 47 dias sem ver uma única pessoa, a 45 graus negativos, metido no abrigo, só com os meus cães, rodeado por lobos, em situação de pura sobrevivência. Mágicas, mágicas eram as auroras boreais. Eram um orgasmo visual", conta Adriano.
Por estes dias, o intrépido "musher" português anda para o lados de Cinfães, na serra de Montemuro, a transmitir estas e outras experiências e conhecimentos a iniciantes no montanhismo. Fora dos "workshops" e sempre que pode vai visitar outros amigos, os lobos da serra Amarela e os homens e mulheres da Peneda-Gerês que por lá vivem na comunhão nem sempre pacífica dos territórios.
"Gosto muito dos lobos e das plantas, mas também tenho um grande respeito pelas pessoas dessas aldeias, que têm de lidar com as alcateias. Não podemos esquecer que a serra está humanizada há muitos anos", afirma Adriano.