Alabama diz que embriões congelados são pessoas e clínicas suspendem fertilização “in vitro”
O Supremo Tribunal do Alabama, no EUA, determinou que os embriões são crianças e instalou uma nuvem negra sobre candidatos à fertilização “in vitro”. Em poucos dias, pelo menos três clínicas suspenderam os tratamentos por receio de terem de enfrentar processos judiciais por homicídio.
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As famílias seguidas no Centro de Medicina Reprodutiva da enfermaria de Mobile, no Alabama, são as vítimas mais recentes do Supremo Tribunal daquele estado norte-americano. "Infelizmente, a decisão não nos deixou outra alternativa se não suspender os tratamentos de fertilização in vitro. Compreendemos o fardo que isto representa para as famílias que querem trazer bebés a este mundo e que não têm outras opções para conceber como merecem", disse Mark Nix, diretor-executivo daquela unidade de saúde.
Foi a segunda clínica, no mesmo dia, quinta-feira, a anunciar a suspensão dos tratamentos de fertilização, depois da "pausa na transferência de embriões, durante pelos menos um dia ou dois" anunciada pela Clínica de Fertilidade do Alabama, em Birmingham, naquele estado do sul dos EUA. Uma decisão na senda da que havia sido tomada pelo departamento de saúde da Universidade de Birmingham, que tinha sido a primeira a anunciar a suspensão dos tratamentos por fertilização in vitro (FIV), na quarta-feira, menos de uma semana depois da decisão.
"Mesmo antes do nascimento, todos os seres humanos têm a imagem de Deus, e as suas vidas não podem ser destruídas sem apagar a sua glória", justificou o presidente do Supremo do Alabama, Tom Parker. A lei da morte por negligência aplica-se a "todas as crianças por nascer, independentemente da sua localização", acrescenta a decisão judicial, anunciada na passada sexta-feira, há uma semana.
Médicos e pacientes podem ser ser julgados por homicídio
A posição do Supremo não proíbe ou restringe a FIV. Mas considerar um embrião congelado como uma pessoa poderá levantar questões às clínicas. "Nenhum prestador de serviços médicos racional continuaria a criar e a manter embriões congelados sabendo que tem de preservar esses embriões congelados para sempre ou arriscar-se a ser penalizado por uma ação judicial relativa à Lei da Morte Injusta", escreveu Greg Cook, o único juiz do Supremo que discordou da decisão, citado pelo site do canal norte-americano de televisão CNN.
"Entristece-nos que isto tenha impacto na tentativa das nossas pacientes de terem um bebé através da FIV, mas temos de avaliar a possibilidade de as nossas pacientes e os nossos médicos poderem ser processados criminalmente ou sofrerem danos punitivos por seguirem o padrão de cuidados para os tratamentos", disse a Universidade do Alabama (UAB, na sigla original), em comunicado.
Segundo os críticos, esta medida poderá fazer disparar os custos dos tratamentos de fertilidade ou que os pais sejam obrigados a pagar taxas de armazenamento vitalício de embriões de que nunca poderão desfazer-se, mesmo que não queiram ter mais filhos.
"Nem todos os embriões são usados, nem poderiam", recordou a diretora de política estatal do Centro para os Direitos Reprodutivos do Alabama, Elisabeth Smith. "A aprovação de legislação que confere personalidade jurídica aos embriões pode ter consequências desastrosas para a utilização da fertilização in vitro - uma ciência em que muitas pessoas confiam para construir as suas famílias", acrescentou, num comunicado enviado à BBC.
Uma posição sublinhada pela Associação Médica local, em comunicado. "O significado desta decisão tem impacto em todos os habitantes do Alabama e conduzirá provavelmente a um menor número de bebés - filhos, netos, sobrinhas, sobrinhos e primos - à medida que as opções de fertilidade se tornam limitadas para aqueles que querem ter uma família."
De acordo com a Progyny, uma grande empresa de gestão de benefícios no domínio da fertilidade, a decisão também implicará custos mais elevados para as pessoas que procuram tratamentos de fertilidade. "Se os médicos recearem agora as penalizações associadas à oferta de fertilização in vitro aos pacientes, irão recomendar tratamentos de inseminação intra-uterina (IUI), que é uma opção de risco mais elevado e com menor probabilidade de resultar numa gravidez - o que representa um custo adicional para os pacientes", disse à CNN a diretora clínica, Janet Choi.
Democratas e republicanos procuram clarificar a legislação
As dúvidas legais levantadas por esta decisão do Supremo do Alabama podem ter efeitos consideráveis para os casais que recorrem a clínicas de fertilidade para constituir uma família e pode ter impactos para lá das fronteiras locais. Embora a decisão só se aplique ao Alabama, o modelo pode extravasar, uma vez que os estados dos EUA tendem a adotar legislação ou políticas de outros estados, nomeadamente em casos em que foram aprovadas por outras legislaturas ou venceram desafios locais, numa espécie de jurisprudência interestadual.
No entanto, especialistas ouvidos pela CNN, consideram improvável que este caso específico chegue ao Supremo Tribunal dos EUA, como aconteceu com a questão do aborto, replicada entre estados, porque a decisão do Alabama teve origem num tribunal estadual e diz respeito a uma interpretação da lei local e não da lei federal. Curiosamente, os autores do processo são pessoas à procura de ajuda para ter filhos.
O processo teve origem numa ação judicial por homicídio culposo intentada por três casais cujos embriões foram destruídos, acidentalmente, por uma doente que entrou no local onde estavam armazenados, em 2020. Os casais lesados processaram o Centro de Medicina Reprodutiva da enfermaria de Mobile ao abrigo da legislação estatal sobre a morte dolosa de menor. Uma legislação que inclui os fetos, mas não abrange especificamente os embriões resultantes da fertilização “in vitro”.
Um tribunal de primeira instância considerou que os embriões não podiam ser considerados pessoas e que a ação judicial por homicídio doloso não podia avançar. Uma decisão ultrapassada pelo Supremo Tribunal do Alabama, que decidiu que os embriões congelados eram "crianças", lançando uma discussão com repercussões a nível político.
Fontes legislativas estatais disseram à CNN que republicanos e democratas de ambas as câmaras estão a trabalhar para apresentar legislação "clarificadora" para "proteger" a FIV e permitir que os tratamentos sejam retomados nas clínicas que suspenderam o procedimento.
Os democratas na Câmara dos Representantes apresentaram um projeto de lei, na quinta-feira, que declara que "qualquer óvulo humano fertilizado ou embrião humano que exista fora de um útero humano não é considerado um nascituro ou um ser humano para quaisquer efeitos ao abrigo da lei estatal". Segundo uma fonte citada por aquele canal, os republicanos no Senado deverão apresentar em breve legislação com uma linguagem "semelhante" à que já foi apresentada na Câmara, mas sem certeza do momento em que o vão fazer.