Objetivo é que a lei mais repressiva dos 50 estados chegue ao Supremo, onde os conservadores podem reverter legislação nacional.
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Vinte e cinco homens aprovaram a pior lei sobre o aborto de que os Estados Unidos têm memória desde que, em 1973, o Supremo Tribunal decidiu em favor da interrupção voluntária da gravidez. Foi no Alabama, estado de maioria republicana que resolveu criminalizar radicalmente toda e qualquer prática abortiva pelos médicos, à exceção de risco de saúde da mãe e de anomalia letal do feto. Sem apelo nem agravo, indiferente a casos de violação ou incesto. Porque, alegou um dos senadores que votou pela emenda legal, Clyde Chambliss, "quando Deus cria aquela vida, aquele milagre da vida no ventre da mulher, não é nosso papel, enquanto humanos, extinguir aquela vida". Os democratas do Estado, tão poucos que não há oposição possível, pediram desculpa às mulheres do Alabama.
É a lei mais repressiva do país, a que nem as investidas ultraconservadoras lideradas pela ativista pró-vida Janet Porter - proibir o aborto além das seis semanas, altura em que muitas mulheres nem percebem que estão grávidas - chegaram. Vários estados aprovaram recentemente essa limitação e são, como será o Alabama, alvo de recursos dos ativistas pró-liberdade de escolha em tribunal.
E se é verdade que até que uma decisão transite em julgado as leis repressivas não serão aplicadas, também o é que esta investida ultraconservadora é uma estratégia assumida: de recurso em recurso, caberá, a prazo, ao Supremo decidir. Como coube em 1973, no caso que ficou conhecido como "Roe versus Wade" (ver caixa) e conferiu à mulher o direito privado de decidir abortar no primeiro trimestre de gravidez (enquanto o feto não é considerado viável).
Supremo a jeito
Ora, o Supremo é maioritariamente conservador desde que o Partido Republicano travou a nomeação de um juiz para a vaga deixada pela morte de Antonin Scala nos últimos meses do mandato do ex-presidente democrata Barack Obama, para poder escolher um elemento mais à direita. Seria Neil Gorsuch.
Seguir-se-ia o fervoroso religioso e antiaborto Brett Kavanaugh, escolhido pelo presidente dos EUA, Donald Trump, após a saída de Anthony Kennedy. Republicano, Kennedy era conhecido como o homem do "voto swing": pendia para visões mais liberais em matérias sociais polémicas, como o casamento homossexual e, lá está, o aborto, quando se tentou reverter o "Roe vs. Wade".
O Senado do Alabama tem 35 senadores - 27 são republicanos. Anteontem, dois destes decidiram não votar. Os restantes aprovaram o texto com o argumento de que introduzir exceções violaria o princípio de que um feto é uma vida. Pouco falaram. Seis democratas opuseram-se-lhe e um absteve-se (o oitavo não votou), depois de verem frustradas as propostas de emendas que suavizariam a lei que, em suma, prevê penas de dez a 99 anos de prisão para os médicos que pratiquem interrupção da gravidez, deixando as mulheres livres de perseguição. As associações pró-escolha, entre elas a poderosa ACLU, vão recorrer. E alertam que a lei vai afugentar médicos do estado. "Desculpem", disse o democrata Bobby Singleton, dirigindo-se "a todas as mulheres do Alabama".
O CASO QUE TORNOU O ABORTO LEGAL
Roe vs. Wade é o nome da decisão do Supremo que em 1973 determinou o aborto livre no primeiro trimestre de gravidez e sujeito a regulação de cada estado no segundo. Roe é o cognome de Norma McCorvey, a mulher que enfrentou o procurador Henry Wade. Em 1969, aos 21 anos, McCorvey engravidou do terceiro filho. Tentou abortar, alegando violação, primeiro, e procurando uma clínica ilegal, depois. Acabou por dar à luz e entregar o filho à adoção. Mas o caso seguiu. Ganhou em 1970 no tribunal distrital do Texas, que considerou a lei do aborto inconstitucional, e seguiria até ao Supremo. Em 1973, a interrupção voluntária da gravidez era liberalizada em todos os EUA.