O anúncio de Donald Trump de que as exportações do Brasil sofrerão uma tributação de 50% nos Estados Unidos, a partir de 1 de agosto, causou surpresa em Brasília, que prometeu agir com reciprocidade. Na política brasileira, aliados do Governo e apoiantes do ex-presidente Jair Bolsonaro travam uma disputa pela culpa.
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O espanto no Executivo brasileiro, segundo fontes governamentais da área económica citadas pelo canal CNN Brasil, deve-se ao facto de que havia negociações em curso com os norte-americanos e que o Brasil não era um alvo prioritário, já que os Estados Unidos não têm um défice com o país. Outros países que receberam notificações incluem aliados como o Japão e a Coreia do Sul, bem como Indonésia, Bangladesh e Tailândia.
Aliados de Bolsonaro temem que a imposição das tarifas desgaste a imagem do antigo chefe de Estado, pois um dos argumentos utilizados por Trump é o processo judicial que o político de extrema-direita brasileiro enfrenta. O ex-presidente, inelegível devido ao uso de recursos públicos para tentar descredibilizar o sistema eleitoral do Brasil, é acusado de tentativa de golpe de Estado e, segundo a Procuradoria-Geral da República, sabia e concordou com um plano para assassinar Lula da Silva, o então vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, e um juiz do Supremo Tribunal Federal (STF).
Tentando impor a narrativa de que a culpa pela situação tensa com os Estados Unidos é do Governo de Lula da Silva, apoiantes de Bolsonaro, ouvidos pelos jornais “Folha de S. Paulo” e “O Globo”, querem evitar repercussões negativas ao antigo líder do Palácio do Planalto e ao seu filho, Eduardo Bolsonaro. O deputado federal tirou uma licença em março e está desde o início do ano nos EUA, tendo realizado uma campanha em Washington para que sejam impostas sanções aos magistrados do Supremo brasileiro.
Os opositores de Lula têm tomado o cuidado para passar a imagem de que estão a lamentar a medida anunciada por Trump, apesar do entusiasmo nos bastidores, uma vez que um dos principais afetados pela guerra comercial é o agronegócio, essencial para as campanhas eleitorais de Bolsonaro em 2018 e 2022. A Frente Parlamentar da Agropecuária, bancada do setor no Congresso, afirmou que “não existe qualquer fato económico que justifique uma medida desse tamanho”, alertando para “impactos graves” e pedindo “negociações” e “diálogo para reverter essa decisão”.
Sem comentar diretamente, Bolsonaro publicou apenas um versículo da Bíblia. “Quando os justos governam, o povo se alegra. Mas quando os perversos estão no poder, o povo geme”, escreveu na rede social X.
À Esquerda, aliados do Governo federal brasileiro expressaram apoio. A ministra da Secretaria de Relações Institucionais e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffman, frisou que “o projeto de Lula é taxar os super-ricos, o de Bolsonaro é taxar o Brasil”. “A subserviência de Bolsonaro aos EUA está custando caro ao país. As mentiras que ele e a família espalharam sobre o Brasil e o STF serviram de pretexto para Donald Trump taxar as exportações brasileiras”, acrescentou.
Até mesmo o periódico “O Estado de S. Paulo”, conhecido pelo posicionamento conservador, divulgou um editorial em que pede “que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump, de Bolsonaro e de seus associados liberticidas”. “E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros não se permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha a democracia”, completou o diário.
A ameaça de Washington e a resposta de Brasília
O presidente norte-americano justificou a imposição das taxas alfandegárias de 50% devido à alegada “caça às bruxas” que o país sul-americano tem feito contra Bolsonaro – “uma desgraça internacional”, na visão de Trump. O republicano condenou ainda a tentativa de regulação das redes sociais e alegou uma relação comercial “injusta”, mentindo ao dizer que os EUA têm “défices comerciais insustentáveis” com o Brasil.
Em abril, Trump tinha revelado que os produtos oriundos do Brasil sofreriam com uma tarifa de 10%, o menor escalão na lista com dezenas de países. Após a cimeira dos BRICS no Rio de Janeiro, no domingo e segunda-feira, em que temas como a troca do dólar por outras moedas no comércio internacional foram discutidos, o líder da Casa Branca tinha ameaçado tributar as importações de países com “políticas antimericanas dos BRICS” em 10% adicionais.
Lula da Silva respondeu à carta de Trump, devolvida simbolicamente pela diplomacia brasileira ao encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília. O chefe de Estado frisou que “o Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”. “O processo judicial contra aqueles que planearam o golpe de Estado é de competência apenas da Justiça Brasileira”, pontuou.
“No contexto das plataformas digitais, a sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a liberdade democrática.”, respondeu Lula, salientando que, para operar no país, “todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira”.
Em relação ao alegado défice norte-americano, o presidente brasileiro desmentiu o homólogo norte-americano. “As estatísticas do próprio Governo dos Estados Unidos comprovam um superavit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 mil milhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos”, escreveu o líder brasileiro, que anunciou que responderá às tarifas com a Lei de Reciprocidade Económica.
Tal legislação, aprovada este ano, permite que o Brasil responda a taxas ou práticas comerciais lesivas com o aumento da tributação ou a suspensão de acordos comerciais e, em casos excecionais, a suspensão de direitos de propriedade intelectual. Na carta de Trump, o chefe de Estado dos EUA avisou que acrescentará aos 50% já anunciados a mesma percentagem de retaliação que Brasília eventualmente apresentar.
Os produtos vendidos por cada lado
Os principais bens que os Estados Unidos importam do Brasil são petróleo bruto, produtos semimanufaturados de ferro ou aço, aeronaves e café não torrado. Em 2024, as vendas para os EUA representaram 12% das exportações brasileiras, enquanto que, para Washington, as importações brasileiras ficaram em 18.º lugar, representando pouco mais de 1%.
Já o Brasil comprou dos EUA motores e máquinas, combustíveis, aeronaves e gás natural. O país norte-americano é o segundo maior parceiro comercial da nação sul-americana, atrás somente da China, isolada com mais que o dobro de exportações para o Brasil.