Não haverá comunicado final, porque é uma forma de evitar reviravoltas de último minuto como a que o presidente dos EUA, Donald Trump, teve, igual a si próprio, no final do G7 do Canadá, em 2018 - retirou a subscrição do texto conjunto já a bordo do avião que o levava dali para outra parte.
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A reunião dos sete países mais industrializados arrancou ontem à noite em Biarritz no sudoeste francês sob o signo da divisão. E a ausência de texto final é disso a melhor prova. Deverá abordar praticamente tudo e, sobretudo, o clima que esta semana virou o mundo às avessas, com a Amazónia como prato principal, por muito que desgoste ao presidente do Brasil, que não faz parte do clube, que dois terços do seu país sejam assunto de conversa de outros.
Antecipando a cimeira, o anfitrião francês, Emmanuel Macron, enunciou os temas numa alocução televisiva prévia: a guerra comercial em ascensão entre os EUA e a China que arrasta o resto do mundo, as taxas francesas aos lucros europeus dos gigantes tecnológicos norte-americanos (GAFA), a que Trump responde onerando o vinho francês - e se há coisa em que os franceses não gostam que se toque é em queijo e vinho -, o periclitante acordo nuclear iraniano, abandonado pelos EUA, e o consequente caos no Médio Oriente, o caos na Líbia e a consequente crise migratória sem solução no Mediterrâneo, o tiquetaque do relógio que marca o passo para o Brexit e, claro a Amazónia, como símbolo do clima que o mundo está a destruir pelo fogo. O tema maior, de resto, útil para eclipsar a crispação dos restantes.
"É preciso responder ao apelo do oceano e da floresta que arde", lançou Macron, reclamando-se país amazónico pela parte da Guiana Francesa (e respondendo assim ao presidente Jair Bolsonaro quando diz que a Amazónia é do Brasil e dos países vizinhos e não do Mundo). Sem a "atitude colonialista" que o brasileiro lhe criticou, o francês fez saber que a intenção, nesta cimeira, é mobilização de esforços dos presentes "em parceria com os países da Amazónia para lutar contra esses incêndios e investir na reflorestação".
acordo em risco
A ameaça maior é a de romper o acordo com o Mercosul (América do Sul) porque o Brasil desrespeita os acordos de Paris não fazendo o suficiente para proteger a Amazónia da desflorestação - de passagem, Macron protege a sua própria agropecuária...
Ainda para o ambiente, enumerando uma série de ideias a propor: reduzir a velocidade do transporte marítimo e os gastos de combustível e atuar contra a poluição da indústria têxtil, a segunda mais prejudicial ao ambiente.
O drama é que ali estão demasiados dirigentes com o rabo preso, a começar por um intempestivo presidente dos EUA em pré-campanha para a reeleição e a cavar mais fundo na guerra comercial com a China. Segue-se um francês acossado por manifestações a curta distância do conclave acusado de falar muito e fazer pouco pelo clima. Uma alemã ameaçada de recessão, de perda de popularidade e do esvaecimento de um dos maiores mercados para a sua indústria automóvel (o Reino Unido). Um britânico cujo óbice é garantir acordos comerciais para depois do divórcio com a UE, mas cuja linha é a de recusa de condições europeias (ainda ontem insistiu que haveria acordo de divórcio se desaparecer a condição para a fronteira irlandesa). Um canadiano manchado por um caso de tráfico de influências a dois meses de eleições em casa. Um italiano demissionário espezinhado por um dos seus próprios vices. E um japonês.
O G7
A génese do grupo
Criado pelo ex-presidente francês Valéry Giscard d"Estaing em 1975, o G7 era então G6 (sem o Canadá - entretanto, em 1998 entraria a Rússia, suspensa em 2014 após a anexação da Crimeia) e pretendia juntar as maiores potências industriais. Hoje, pesam apenas 40 % do PIB mundial.
Manifestação
Milhares de pessoas marcharam de Hendaye, França, até Irun, Espanha, num "G7 alternativo". Juntaram-se anticapitalistas, ecologistas, antiglobalização, bascos e coletes amarelos (poucos). Pacificamente. No dia anterior, 17 manifestantes foram identificados.
AMAZÓNIA
Aviões e 44 mil soldados para combater fogos
Depois de meses de negação dos dados sobre desflorestação e de acusação às ONG e aos índios, o presidente do Brasil assumiu anteontem a amplitude da crise amazónica, assinou uma lei para proteger o ambiente lutando contra queimadas e destacou militares para combater os fogos. Ontem foram anunciados aviões e 44 mil soldados, enquanto milhares de pessoas se manifestavam no país e no mundo, contra a postura do presidente face à proteção da floresta, tida como um obstáculo ao desenvolvimento económico. Ora, a desmatação, que este ano cresceu substancialmente depois deste tipo de afirmação de Jair Bolsonaro, muitas vezes à força de queimadas para agropecuária, terá ajudado a multiplicar os fogos.