Ana Gomes acredita que a operação militar na Ucrânia "está a correr muito mal" à Rússia. Em entrevista ao JN, a ex-eurodeputada afirma que a União Europeia e as autoridades portuguesas não têm sido "consequentes" quanto às sanções, defendendo ainda a criação de uma zona de exclusão aérea para salvar a população ucraniana.
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Nesta altura, qual lhe parece ser o objetivo de Putin? Incorporar as duas repúblicas separatistas ou ocupar toda a Ucrânia?
O propósito é o que ele próprio indicou: supressão da Ucrânia como país independente, aniquilamento do Governo e, portanto, sujeição à Rússia. Foi esse o objetivo da campanha mas, como ela está a correr muito mal, ele hoje formula objetivos mais recuados. Exige o reconhecimento da independência das repúblicas do Donbass e da anexação da Crimeia, além de querer colocar um Governo-fantoche em Kiev. São condições inaceitáveis para a Ucrânia e a comunidade internacional: se esta cedesse, daria um sinal a Putin de que poderia avançar para a Moldávia ou para o Báltico.
A Ucrânia poderá, agora ou no futuro, fazer cedências sem abdicar da soberania?
A Ucrânia não irá ceder. Poderá ser vencida militarmente mas, nesse caso, iniciar-se-á uma guerra de insurgência e, a longo prazo, não tenho dúvida de que a Ucrânia triunfará. Também não excluo que se possa infligir uma debandada às forças russas, sobretudo se Putin falhar os objetivos em Kiev.
A UE e os EUA poderiam ir mais além no auxílio à Ucrânia? De que forma?
Neste momento, a UE está nas mãos da NATO em termos de segurança e defesa. Antes de mais, deveria ser consequente e cortar radicalmente com as importações de gás russo. Depois, teria de ser consequente na aplicação das sanções económicas direcionadas aos cleptocratas, mas o facto de Abramovich não estar nessa lista demonstra que a UE não está a ser séria nem consequente. É preciso perguntar às autoridades europeias e portuguesas por que carga de água isto ocorre, sendo ele hoje português.
E no terreno, há algo que possa ser feito?
Como já diziam os romanos, que quem quer a paz prepara-se para a guerra. O mínimo de decência é a UE e a NATO imporem uma zona de exclusão aérea para abrir corredores que salvem populações como a de Mariupol. Não podem permitir que Putin continue a pensar que temos medo dele. As armas nucleares são a desculpa para não fazermos nada e assistirmos a um massacre.
É sensato que os países da União Europeia forneçam à Ucrânia armas que poderão ir depois parar às mãos de civis?
É inevitável a Ucrânia ter de mobilizar e armar os seus cidadãos civis. Faz parte de um processo de guerra como aquele em que estamos envolvidos. Todos os pretextos para Putin são bons, designadamente os que ele inventa. Ele próprio já disse que as sanções nucleares eram uma declaração de guerra. Portanto, não há como europeus e americanos fingirem que não estamos na guerra. Estamos e, para Putin, somos inimigos de guerra. Portanto, vamos tratar de nos defender. Ou vamos assistir de bancada aos ucranianos a serem trucidados?