Antigo futebolista integra a maior missão de resgate de ucranianos organizada por Portugal. Estão 390 já a caminho de Lisboa.
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Ibraim Cassamá faz baixar por um momento a guarda da sua imponente altura e deixa-se ceder ao peso da gravidade emocional - tira os óculos, inspira, limpa os olhos com as costas da mão, exala para o ar, recompõe-se. Tinha acabado de dizer: "Só imagino quando é que cada uma destas crianças, e eu vejo aqui tantas crianças só com a mãe, vai voltar a ver o seu pai..." - e depois pára por falta de ar.
O futebolista internacional da Guiné-Bissau foi estrela na juventude benfiquista, vingou na Académica do Lobito e saciou sonhos no Real Sport Clube, está num cenário inusitado, Cracóvia, na Polónia, e traz vestida a sua pele destes dias: um colete verde de voluntário da Missão Ucrânia, a maior operação portuguesa de resgate de refugiados ucranianos realizada desde que a guerra provocada pela invasão russa começou.
Ibraim caminha pela sede polaca da Cisco, a multinacional americana de tecnologia que apoia a missão a partir da congénere de Lisboa, e está anonimizado entre os outros 70 voluntários que formigam por ali. Pôs-se literalmente na pele do outro: "Isto é terrível, devia ser uma coisa incapaz de existir. Só imagino o que será daquelas mães e daquelas crianças, deixaram homens, maridos, pais lá atrás na Ucrânia a combater. Por isso quando me propuseram vir cá ajudar, não hesitei, tive de dizer logo que sim". Não ficará por aqui a missão de Ibraim. "Isto tem de nos mover, senão a vida não vale nada. Ninguém tem de me agradecer, eu vim porque era preciso vir. E vou voltar, não é uma promessa, é uma certeza". E é uma convicção moral: "Aqui está a cancelar-se vida. É preciso dizer basta!".
A Missão Ucrânia é uma caravana solidária organizada por empresas e particulares chocados com as notícias da Ucrânia. Saiu de Lisboa no dia 12, chegou a Cracóvia, Polónia, na terça-feira com três toneladas de roupa, comida e medicamentos e já está de regresso a Portugal com uma carga especial: 390 ucranianos, quase exclusivamente crianças e mulheres, o grupo de homens idosos é mínimo, que vão agora viver refugiados no nosso país. O comboio humanitário chega a Portugal na sexta-feira ou madrugada de sábado.
"Aqui ninguém fica para trás, é a nossa função", diz Hugo Antão, da CRC Car Rental Company, "team leader" da Missão Ucrânia, juntamente com o dinamizador Miguel Costa, da C Santos VP. O conglomerado solidário tem um orçamento de 120 mil euros e envolve dezenas de empresas e instituições, entre Douro Azul, Vodafone, Banco Primus, Hotelar, Soc. Comercial C. Santos, Europcar, Sporting Clube de Portugal, Cruz Vermelha Portuguesa, Associação Coração com Coroa, União das Misericórdias, Câmara de Lisboa, Embaixada da Ucrânia.
"Mas esta é só a primeira parte da Missão", diz Hugo Antão, "garantimos que cada refugiado terá habitação e já ativamos uma bolsa de empregos a partir das habilitações literárias e profissões das pessoas que estamos a resgatar, fazendo esse "match" com as necessidades". Com grande investimento pessoal na Missão, Hugo Antão admite que "emocionalmente isto foi mais difícil do que esperava, mas, para quem tem sucesso próprio, profissional e familiar, é uma obrigação fazer o que fizemos. Pensando na sorte que tenho tido, este é o momento para retribuir". E o empresário conclui com um desejo: "Que isto sirva de inspiração a outros para novas missões depois desta".