
"As bondades" de Bolsonaro para a sedução do povo
Nelson ALMEIDA / AFP
Os cinco pontos percentuais que distanciam Jair Bolsonaro de Lula da Silva são a mesma medida das margens de erro admitidas por quase todas as sondagens para a segunda volta das eleições de domingo próximo. Num movimento pendular de 2,5%, para trás ou para a frente, pode ser achado o novo presidente do Brasil. Uma tangente que o incumbente não ignora e que lhe abre perspetivas, nem que seja no uso nada dissimulado do aparelho do Estado que controla: antecipa subsídios, promete o 13.º mês a mulheres chefes de família e reduz taxas de juro a micro e pequenas empresas. Lula até o acusa de seduzir apoiantes famosos, como Neymar, com a oferta de benefícios fiscais.
Entre os inúmeros trunfos e truques de Bolsonaro, está um dos mais recentes expedientes eleitorais: o Governo antecipou o programa social Auxílio Brasil. Os pagamentos estavam para ser efetuados em novembro, mas, por determinação superior, foram adiantados e com ordem de quitação entre 11 e 25 deste mês, até amanhã, quando faltarem cinco dias para as eleições.
"Não se pode desprezar a capacidade do bolsonarismo e nem o interesse do presidente da República de usar a máquina pública para fazer campanha. Também não se pode ignorar o interesse de forças políticas que hoje apoiam o presidente da República de criarem "bondades" [políticas públicas para a conquista de eleitores] diversas", afirma Creomar de Souza, da consultora política Dharma e professor da Fundação Dom Cabral, citado pela BBC.
Na edição de ontem do "Jornal de Notícias", Ana Paula Costa, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais, da Universidade Nova de Lisboa, já denunciava este "assédio eleitoral", que inclui o recurso às redes sociais para divulgação de notícias falsas, o que obrigou a intervenção do Tribunal Superior Eleitoral.
Enviado de Deus
Ana Paula Costa também verificou "a coação" exercida por patrões e religiosos para o voto em Bolsonaro. Nesta área, o presidente é visto com um enviado de Deus, apoiado por um terço da população brasileira, seguidora da Igreja Evangélica. Católico de berço, Bolsonaro converteu-se a esta ala protestante do cristianismo para lhe extrair apoio político.
Um dos últimos grandes avanços desta frente pentecostalista na esfera do poder civil, secular, como a Constituição brasileira o consagra: Bolsonaro nomeou um juiz evangélico para o Supremo Tribunal Federal. Foi só mais uma demonstração das ligações do presidente do Brasil com estas igrejas da confissão também tão fervorosamente seguida pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A Câmara de Deputados é o plano declarado da investida do culto na política: os evangélicos tornaram-se um grupo poderoso na última legislatura, com 112 entre 513 parlamentares.
Entre os assessores que o elucidam na direção da sexta maior economia mundial, Bolsonaro pode contar com um amigo muito próximo da família, o pastor Silas Malafaia. À cabeça de 150 templos evangélicos, este grande predicador, íntimo e conselheiro pessoal do presidente, envolve-se por todos os meios na reeleição do ex-militar e na diabolização de Lula.
Outro trunfo na mão do incumbente é do lobby do agronegócio, como os brasileiros chamam à indústria agroalimentar, setor que representa 10% da economia do país e a quem Bolsonaro promete ainda maior incremento, mesmo que seja à custa dos danos ambientais denunciados, do Cerrado à Amazónia. Por fim, também um naipe de famosos que proclamam apoio ao 38.º presidente do Brasil, entre os quais estrelas do futebol, com o Neymar e Ronaldinho, ou da política internacional, como um tal Donald Trump.
Política e religião
As sondagens indicam que 56% consideram que política e religião andam de mão dada. E 60% preferem "um candidato que defenda os valores da família" a outro com um bom programa económico. Uma perceção que Bolsonaro domina e ainda melhor admite: "De economia não percebo nada".
Deus acima de todos
Brasil acima de tudo e Deus acima de todos. É a divisa do nacionalismo religioso que apoia Bolsonaro. Um exército de predicadores evangélicos excomunga Lula e benze as políticas ultraconservadoras do presidente, sobretudo no fervor contra o aborto e o casamento gay.

