O sigilo social do patrão do Kremlin, as relações extraconjugais e as filhas escondidas na universidade com os apelidos das avós.
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Se cuida ao extremo da figura pública de homem todo-poderoso, o inquilino do Kremlin é muito mais meticuloso com a vida pessoal. No recato da função, preserva tudo o que é privado e mantém em sigilo absoluto ou na maior confidencialidade possível tudo o que se relaciona com a família, incluindo as incursões de alcova, relatadas pela imprensa cor-de-rosa. Eis, então, o homem que governa a Mãe Rússia há duas décadas: Vladimir Vladimirovich Putin, 69 anos, divorciado, pai de duas filhas, avô que se refere aos netos no plural, embora nunca contados e muito menos identificados em público.
Da mulher, Lyudmila, de quem se divorciou, em 2014, pouco ou nada se soube desde então, a não ser que foi apagada da biografia oficial de Putin. Das filhas do casal, Maria e Ekaterina, e dos netos também muito poucos lhe conhecem o paradeiro. Dos rumores de romances mais ou menos furtivos - com Wendi Deng Murdoch, ex-mulher de Rupert Murdoch, ou com a campeã da ginástica Alina Kabaeva, 31 anos mais nova, de quem se disse, em 2019, que deu à luz dois gémeos, de paternidade incógnita - também não transpirou nada mais do que isso mesmo.
Ameaças de atentados, escola em casa
"Não lhe verão nenhum retrato de família, no qual o vejam com a ex-mulher e com as filhas. No máximo, encontrarão fotos das filhas, ainda pequenas, quando viviam na ex-Alemanha Oriental, ou delas ainda adolescentes, de costas, num barco. Tudo ao contrário dos presidentes americanos, como Obama ou Bush, que metiam as filhas à frente de tudo", observou, citada pelo "Libération", a escritora franco-russa Helena Perroud, autora da biografia "Un russe nommé Poutine".
"Por que razão as filhas são invisíveis? A primeira razão tem a ver com a segurança. Quando Putin foi nomeado presidente interino, elas eram muito jovens e a escola recebeu ameaças de atentados, o que obrigou a que fossem escolarizadas em casa", relembrou a autora franco-russa ao "Libération", em março de 2018.
Pelas mesmas razões de segurança restrita Maria Vorontsova, de 36 anos (28 de abril de 1985, S. Petersburgo) e Ekaterina Thikhonova, de 35 anos (esta nascida em Dresden, a 31 de agosto de 1986, quando o pai era agente do KGB, na ex-RDA), foram matriculadas no ensino superior com apelido das avós.
O rosto da campanha da vacina russa
Maria formou-se em medicina na Universidade de Moscovo e especializou-se em endocrinologia e oncologia pediátrica. É casada com um empresário holandês. Ainda em 2018, segundo Helena Perroud, Ekaterina trabalhava na Universidade de Moscovo e geria o projeto internacional de educação Innopraktika, um fundo de 1530 milhões de euros para apoio a jovens cientistas. Foi casada durante cinco anos e divorciou-se em 2018 do milionário Kirill Shamalov, filho de um velho amigo de Putin, Nokolai Shamalov, e senhor de uma fortuna estimada pela Forbes em 1080 milhões de euros.
Ekaterina Thikhonova também se revelou pelos talentos no rock acrobático e foi com esse nome que a Reuters lhe desvendou a ascendência e a Rússia a passou a reconhecer como Ekaterina Putina, e já assim identificada, durante a pandemia de covid-19, como rosto da campanha de inoculação com a vacina russa Sputnik V.
Sem tempo para a família
Por detrás da personalidade que detém as rédeas do regime russo nas últimas duas décadas e da imagem de culto do homem montado a cavalo, tronco nu, a dar-se ares de forte e viril, praticante de artes marciais, preserva-se a intimidade do cidadão, como se guarda um segredo de Estado.
Na fisionomia de 1,67 metros, o arcaboiço político de Vladimir é o de um homem muitas vezes isolado no Kremlin, como contou a ex-mulher. Lyudmila separou-se sem mais litígios que não fossem os das suspeitas de infidelidade e saiu airosamente de casa, a dizer que o presidente da Rússia "andava muito ocupado nos gabinetes e não tinha tempo para a família".
"Reguila, irrequieto" e aluno brilhante
Vladimir nasceu de um casal de operários de Leninegrado (a atual São Perterburgo), em 7 de outubro de 1952. Sobreviveu a dois irmãos falecidos ainda na infância. Na escola primária, a professora Vera Gurevich teve de lidar com o aluno "reguila e irrequieto", mas que sempre obteve excelentes notas, até à conclusão do curso de Direito e ao ingresso no KGB.
Foi por essa altura, em 1983, que sucumbiu aos charmes de Lyudmila Alexandrovna Shkrebneva. O casamento durou 29 anos, até 2014, mas já andaria tremido havia pelo menos uma década, quando começaram a surgir rumores dos encantamentos com a senhora Murdoch e, depois, com Alina Kabaev, uma beldade eslava, campeã olímpica e mundial, afastada da ginástica em 2021, por causa do doping, convertida à política e eleita deputada em 2007, pelo Rússia Unida, o partido de Putin.
E se Vladimir se achou na necessidade de desmentir esta relação, Alina acrescentou mais suspeitas, quando, em maio de 2019, deu à luz dois gémeos, num parto rodeado de todo o secretismo. Desde essa data, a antiga ginasta, de 38 anos, já mãe de um rapaz de 12 anos e de uma filha de oito, nunca mais foi avistada em público. Em outubro de 2021, o tablóide britânico "The Sun" relembrava que não era vista havia dois anos e dava eco aos rumores de que estava novamente grávida, de dois meses.
Pequeno-almoço ao meio-dia...
Desta e doutras facetas, suspeitas e pouco ou nada comprovadas, constrói-se muita da mitologia em torno do homem que completará 25 anos de poder quando terminar o mandato, em 2024. Nessa altura, Vladimir terá 71 anos e, muito provavelmente, as mesmas rotinas de vida. Tem fama de dormir até tarde, de tomar o pequeno-almoço ao meio-dia e de iniciar a tarde com duas horas de natação.
Vive rodeado de cães, que adora, e tem afeto muito particular por um corpulento labrador, que, um dia, levou para uma reunião com Angela Merkel, mesmo sabendo (ou talvez por isso mesmo...) que a chanceler alemã tinha e tem pavor a cães.
Pois é também desta fibra que se faz o neto de Spiridou Ivanovic Putin, que os biógrafos do patrão do Kremlin descrevem como "cozinheiro de Estaline e de Lenine".
As mulheres e os "ciclos naturais"
Das poucas vezes que o homem discreto saiu da impenetrável armadura do estadista, nem por isso se lhe revelaram traços de caráter que não lhe fossem já sobejamente conhecidos. Numa dessas ocasiões, na série documental "Entrevistas com Putin", concedidas ao cineasta americano Oliver Stone e gravadas em 2017, o presidente russo sempre expôs mais um bocadinho do político conservador, homofóbico e misógino.
"Sou homem, não tenho dias difíceis, como as mulheres. Não quero, em caso algum, insultar quem quer que seja. Foi a natureza que decidiu assim. A culpa é dos ciclos naturais", sentenciou Vladimir.
Salário modesto, fortuna colossal
Por família, num sentido muitas vezes deliberadamente pejorativo, apontam-se a Putin os amigos, entre os quais estrelas como o ator francês Gérard Depardieu, ou os "apparatchik" do regime, os oligarcas que enriqueceram com o colapso da União Soviética e com a distribuição de recursos e empresas estatais.
Ao próprio Putin, que diz viver com um salário anual de 12 mil euros, estima-se uma fortuna rente a 150 mil milhões de euros. Os opositores denunciam-lhe o enriquecimento ilícito e um património colossal, com dezenas de "datchas" opulentas, helicópteros, carros de luxo e um gosto especial por relógios avaliados em centenas de milhares de euros.
O presidente russo é mesmo indicado como um dos homens mais ricos do Mundo. "Os dez primeiros anos do regime de Putin consistiram em pilhar a maior quantidade possível de dinheiro. Mutas pessoas, entre as quais me incluo, pensam que Putin é o homem mais rico do planeta, ou um dos mais ricos, com centenas de milhões de euros roubados à Rússia", disse à CNN o diretor do "hedge fund" Hermitage Capital Management, Bill Browder, outrora amigo da nomenclatura e maior investidor estrangeiro na Rússia, até ser declarado "personna non grata" por Moscovo.
Em 2013, documentos oficiais revelados pelo Kremlin e publicados pela agência Ria Novosti davam conta do modesto trem de vida de Vladimir Putin: a declaração de rendimento do presidente relativa a 2012 registou, 5,8 milhões de rublos, qualquer coisa como 150 mil euros; o património declarado era de um terreno, um apartamento e três carros.