Os microplásticos podem viajar uma centena de quilómetros pelo ar e ir parar a regiões remotas, onde a atividade humana é escassa. A conclusão é de um estudo sobre a capacidade de propagação destas partículas de plástico com menos de cinco milímetros, publicada há dias na revista científica "Nature Communications". Prova que não há sítio que permaneça incólume.
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Steve Allen e Deonie Allen, do Ecolab, em Castanet-Tolosan, França, analisaram amostras recolhidas na estação meteorológica de Bernadouze, nas montanhas dos Pirenéus franceses, ao longo de cinco meses, mais concretamente entre novembro de 2017 e março de 2018. A zona, a 1425 metros de altitude, foi selecionada por ser remota e, supostamente, livre de contaminação. Mas a análise das amostras permitiu identificar uma média diária de 365 fragmentos de microplástico por metro quadrado.
Não é muito diferente das quantidades detetadas em zonas industrializadas. Em 2017, cientistas haviam identificado elevadas concentrações na cidade chinesa de Dongguan (entre 175 a 313 partículas de microplástico por metro quadrado/dia na atmosfera). E, em 2016, um estudo científico estimou entre três a 10 toneladas de fibras depositadas na atmosfera de Paris (2500 quilómetros quadrados), todos os anos.
Restos de embalagens
Nos Pirenéus, os investigadores encontraram plásticos de diversos tipos, mas o mais comum foram partículas com menos de 50 micrómetros, de poliestireno e polietileno, substâncias largamente utilizadas em embalagens, sacos e garrafas de plástico, por exemplo.
A análise dos fragmentos encontrados, correlacionada com a trajetória e força do vento e outros dados permitiu concluir que aquelas partículas podem ser transportados pelo menos uma centena de quilómetros. Na realidade, a aldeia mais perto está a seis quilómetros e a cidade industrializada mais próxima, Toulouse, dista 120 quilómetros. Contudo, os especialistas acreditam que o vento pode transportar as partículas em distâncias maiores, pois sabe-se que a poeira do deserto do Sara viaja milhares de quilómetros pelo ar.
Os microplásticos "podem atingir e afetar zonas remotas e praticamente desabitadas através do transporte na atmosfera", escrevem os investigadores.
Outros estudos têm demonstrado que também as águas de zonas remotas estão contaminadas. Investigadores do instituto alemão Alfred Wegener publicaram, na Nature Communications, um estudo em que revelam que detetaram mais de 12 mil partículas de microplástico por litro, em amostras recolhidas no gelo do mar Ártico, em expedições realizadas em 2014 e 2015. As amostras continham 17 tipos diferentes de plástico, sobretudo polietileno e polipropileno (embalagens), nylon, poliéster e acetato de celulose (filtros dos cigarros).
SABER MAIS
O que são?
Microplásticos são partículas de plástico com menos de cinco milímetros. Resultam da degradação de plásticos maiores ou da lavagem de têxteis sintéticos, entre outros. Também são incorporados como microesferas em produtos de limpeza e cosméticos.
Fazem mal à saúde?
A forma como afetam a saúde ainda está a ser analisada em rigor. O cientista Richard Thompson, da Universidade de Plymouth, que detetou a presença de microplásticos num terço do peixe pescado no Reino Unido, referiu que os plásticos contêm e absorvem "químicos tóxicos" e que pesquisas em animais mostram que os libertam no organismo.
Continuam a estudar?
Têm sido realizadas várias investigações sobre poluição com microplásticos. Stefan Karuse, da Universidade de Birmingham, Reino Unido, por exemplo, está atualmente a realizar o estudo "100 Plastic Rivers". Será a primeira análise sistemática de microplásticos em ecossistemas de água doce.
Entra nos nossos lares?
Para além de chegarem sob a forma de alimentos já com microplásticos, uma investigação da Orb Media detetou a sua presença na água das torneiras de 12 países. 83% das amostras estavam contaminadas com fibras de plástico.
Há legislação?
A União Europeia quer, até 2030, acabar com as embalagens de plástico descartáveis, mudando para plástico reciclável e reutilizável. Se não se alterarem comportamentos, é expectável que em 2050 haja mais plástico do que peixe nos oceanos.