Autarca francês usou dinheiro público para financiar vidente que falava com mortos
O presidente da Câmara Municipal de Agde, em França, está acusado de corrupção por, alegadamente, ter usado dinheiro dos contribuintes para financiar uma cartomante. Pagou à médium Sophia Martinez, durante quatro anos, para ter conversas com o pai, que morreu em 1996. Ambos estão detidos e sob investigação.
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A história que envolve Gilles d'Ettore e Sophia Martinez parece tirada de um filme, cujo enredo envolve um autarca, uma cartomante e dinheiro público. Podia ser ficção, mas é real e aconteceu em Agde, uma cidade francesa na costa do Mediterrâneo, conhecida pelas praias deslumbrantes e pela presença da maior comunidade swinger da Europa. Os holofotes estão agora centrados no envolvimento destes dois protagonistas.
Sophia Martinez, conhecida por afirmar que consegue estabelecer ligação com pessoas mortas, foi contactada, em 2020, por Gilles d'Ettore que tinha o desejo de falar com o pai, que morreu em 1996, através dos "dons" da cartomante. O presidente da Câmara Municipal de Agde acreditou que Martinez tinha conseguido estabelecer algum tipo de ligação com um "plano superior", uma vez que a cartomante mudava repentinamente de voz e adotava o tom do pai do autarca. Nos últimos anos, Sophia Martinez manipulou Gilles d'Ettore em consultas presenciais e via telefónica através de uma habilidade designada por ventriloquismo, uma prática caracterizada pela projeção de voz sem abrir a boca ou mover os lábios, conta a BBC.
"Uma história maluca"
O alerta foi dado pela ex-mulher de d'Ettore, que fez uma queixa na Polícia alegando que o autarca estava "enfeitiçado" por Martinez. As investigações mostraram que o político pagou férias de luxo a Sophia Martinez e à sua família na Polinésia e na Tailândia, todas com recurso a dinheiro público. Da mesma forma, afirma-se que as "vozes" persuadiram o homem a contratar vários membros da família da cartomante para trabalhar na Câmara Municipal e também para renovar a sua casa. As empresas locais com ligações a d'Ettore fizeram o trabalho, de forma gratuita, com receio de perder futuros contratos com a Câmara. Entre os beneficiários estava o marido de Martinez, que conseguiu um emprego como diretor de serviços técnicos da cidade.
A cartomante Sophia Martinez enfrenta acusações de peculato, enquanto Gilles d'Ettore é acusado de corrupção por gastar quantidades avultadas de dinheiro dos contribuintes com a vidente. Tanto d'Ettore quanto Martinez, mãe de seis filhos, estão em prisão preventiva enquanto aguardam julgamento devido à possibilidade de adulteração dos depoimentos das testemunhas. Martinez foi transferida para uma solitária depois de ter sido atacada dentro da prisão feminina para a qual foi enviada.
A história tornou-se tão mediática em França que até o advogado de d'Ettore, Jean Marc Darrigade, se tornou uma celebridade: "É uma história maluca. É incrível porque temos um homem da política, autarca e ex-deputado que é muito inteligente. E descobrimos que um homem com estas características foi manipulado por uma mulher. Ela encontrou nele uma fraqueza mental e explorou-a para benefício pessoal. Demorou muito até que ele aceitasse que tinha sido enganado”, disse Darrigade à BBC.
Contrariamente, o advogado de Martinez, Luc Abratkiewicz, disse que a cliente "admitiu ter traído a confiança do autarca", mas sublinhou que não se trata de um caso de manipulação "porque Martinez reconheceu o que fez e inclusive vários clientes afirmaram que ela tem poderes místicos". O defensor da cartomante acrescentou que Sophia "revelou detalhes sobre a vida dos clientes que não tinha como saber".
Os advogados negam qualquer envolvimento sexual entre os dois, mas os moradores dizem que tudo se resume a vários episódios de sexo, numa cidade onde o tema não é tabu.
Apelos à renúncia de d'Ettore
Um conselheiro local, Thierry Nadal, descreveu os últimos acontecimentos como um “verdadeiro tsunami” para a cidade. “Para encontrar algum oxigénio, só existem duas soluções: a demissão de Gilles d’Ettore, isso é óbvio, e depois a da equipa municipal”, afirmou Nadal.