As autoridades sérvias anunciaram, esta quinta-feira, a anulação da abertura, prevista para o final da tarde e apenas a algumas horas do seu início, de um festival que promove as trocas culturais entre a Sérvia e o Kosovo.
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"Não será autorizado nenhum evento", indicou, em comunicado, o ministro do Interior sérvio, Ivica Dacic, mas sem precisar se todo o festival, previsto até sábado, foi anulado.
O festival "Miredita, Dobar dan" - "Bom dia" em albanês e sérvio - decorre anualmente e desde há dez anos em Belgrado e em Pristina, a capital do Kosovo.
A iniciativa sempre foi criticada por grupos ultranacionalistas sérvios, que têm contestado a sua realização, e também por grupos nacionalistas albaneses. Em 2019, uma manifestação contra o evento degenerou em confrontos, mas o festival nunca foi anulado.
Nos últimos dias, o ministro do Interior sérvio, Ivica Dacic, admitiu a possibilidade da "anulação do festival", justificada por "riscos de segurança".
A ministra da Família e da Demografia sérvia, Milica Djurdjevic Stamenkovski, fundadora do partido da direita radical SSZ, afirmou, por sua vez, que a realização do festival "atenta à ordem constitucional do país".
O presidente da câmara municipal de Belgrado, Aleksandar Sapic, também considerou que o festival "questiona a soberania e integridade territorial da Sérvia".
Na sequência destas declarações, o festival anunciou que não será promovida qualquer iniciativa na sexta-feira, 28 de junho, a data em que a Sérvia evoca a Batalha de Kosovo Polje de junho de 1389, na qual os sérvios e exércitos aliados foram derrotados pelos otomanos, dando início a 500 anos de ocupação otomana da Sérvia.
Em 1989, alguns meses antes do desmembramento da Jugoslávia, o então líder sérvio Slobodan Milosevic utilizou a comemoração dos 600 anos da batalha do Kosovo para exaltar o nacionalismo sérvio.
Na quinta-feira, uma nova ronda de diálogo entre Belgrado e Pristina, mediado pela União Europeia (UE), voltou a fracassar após meses de bloqueio, e após o chefe da diplomacia do bloco europeu, Josep Borrell, não ter conseguido juntar à mesma mesa o Presidente da Sérvia, Aleksandar Vicic, e o primeiro-ministro do Kosovo, Albin Kurti.
As tensões entre a Sérvia e o Kosovo permanecem muito elevadas 15 anos após o final da guerra, na sequência de uma intervenção militar da NATO contra Belgrado em 1999, suscitando receios sobre o reacender do conflito e a abertura de uma nova frente de desestabilização na Europa enquanto prossegue a guerra na Ucrânia.
A normalização das relações entre a Sérvia e o Kosovo, mediadas pela UE, permanece num impasse, em particular após os confrontos em setembro passado entre uma milícia sérvia e a polícia kosovar que provocou quatro mortos e agravou as tensões na região.
Na sequência deste incidente, a Kfor, a força multinacional da NATO no Kosovo e presente no território desde 1999, reforçou a sua presença no terreno e possui atualmente cerca de 4.800 efetivos.
O Kosovo independente - que a Sérvia considera o berço da sua nacionalidade e religião - foi reconhecido por cerca de 100 países, incluindo os Estados Unidos, que mantêm forte influência sobre a liderança kosovar, e a maioria dos Estados-membros da UE, à exceção da Espanha, Roménia, Grécia, Eslováquia e Chipre.
A Sérvia continua a considerar o Kosovo como parte integrante do seu território e Belgrado beneficia do apoio da Rússia e da China, que à semelhança de dezenas de outros países (incluindo Índia, Brasil, África do Sul ou Indonésia) também não reconheceram a independência kosovar.